São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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O preço da fala; Boa mesa; Dinheiro amargo; Senador Requião, a conta é da Magda; O doutor Joel Rennó fez a Câmara de boba; A culpa era da inflação. Agora é da sociedade.; A costura da toga; FFHH 14; Por um triz

ELIO GASPARI

O preço da fala
Está em curso uma delicada operação política nos corredores da CPI dos Títulos.
Trabalha-se com a hipótese de um grande acordo com o banqueiro Fábio Nahoum, do Banco Vetor. Ele contaria ao Senado tudo o que sabe sobre o sistema financeiro (tudo mesmo) e, em troca, seria beneficiado por algum tipo de anistia parcial. Nahoum já disse ao senador Roberto Requião: "Eu vou fazer o impossível para ajudar os senhores".
Para que uma operação dessas fique de pé são necessários juristas, articuladores da melhor qualidade e a vontade do governo de saber o que de fato acontece com seus papéis. É coisa difícil, mas não é impossível.
Certo mesmo, só que a colaboração de algum envolvido é essencial para que se desembaralhem as grandes maracutaias.
O maior golpe já recebido pela máfia foi armado à custa de um acordo da polícia americana com um dos seus chefes. Ele trocou a memória pela imunidade. Chamava-se Tommaso Buscetta. Nos anos 70, "don" Tommaso esteve no Brasil, foi preso, apanhou da polícia como boi ladrão e, em suas memórias, contou que apesar de ter perdido várias unhas dos pés, só contou o que quis.

Boa mesa
Na terça-feira, FFHH almoçou no Alvorada com um pedaço de sua ekipekonômica e com os empresários Armínio Fraga e Ibrahim Eris. Um é diretor do Grupo Soros, casa de investimentos globais com sede em Nova York. O outro é dono da Linear, casa paulista. Ambos já passaram pelo Banco Central (Eris presidiu-o no confisco do collorato). Hoje são prósperos comerciantes de percepção financeira.
Durante o almoço conversou-se de economia. Com que profundidade, não se sabe. Segundo um dos comensais, estabeleceu-se uma regra de silêncio.
O presidente da República pode almoçar com quem quiser. Pode também falar só aquilo que considera apropriado. Mesmo assim, é difícil que operadores como Eris ou Fraga saiam de um almoço desses de barriga cheia e cabeça vazia.
Seria exagero dizer que a refeição implica automaticamente a obtenção de informações privilegiadas, mas ainda assim resta uma pergunta: se nada se falou que fosse relevante para o mercado, porque não se conta à patuléia alguma coisa do que se disse?
Com a palavra George Soros, o pitoresco dono da casa onde trabalha Fraga:
- Nós podemos ter descoberto a verdade e a moralidade, mas, acima de tudo, precisamos representar nossos interesses e nós mesmos.

Dinheiro amargo
Para a história da banca e do reinado de FFHH:
No início de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso tinha pouca fé em sua candidatura a presidente e o PSDB penava uma crônica falta de fundos, foi o banqueiro José Eduardo Andrade Vieira, do Bamerindus, quem lhes deu inestimável apoio.
Não há registro da extensão dessa solidariedade na contabilidade política do tucanato, assim como não ficou vestígio do patrocínio que o banqueiro Angelo Calmon de Sá deu à festa popular organizada em frente ao Planalto no dia da posse de FFHH.

Senador Requião, a conta é da Magda
A CPI dos Títulos Públicos está protegendo o Banco Central à custa da credulidade do público.
Há três semanas, durante uma sessão da CPI, o senador Vilson Kleinubing perguntou ao banqueiro Fábio Nahoum se ele tinha conta no exterior. Nahoum negou. O senador desmascarou-o mostrando um papel, remetido pelo diretor de Fiscalização do BC, Claudio Mauch. Era o ofício 0572, informando que uma anotação encontrada "no cofre particular" de Nahoum indicava a possibilidade de ele ter uma conta no exterior.
Por quê?
Porque a "anotação" dizia:
"A minha conta no Nations Bank de Houston é a seguinte: (...) Magda Fanni".
Isso foi suficiente para provar que Nahoum mentira. Passados uns dias, o senador Geraldo Melo viu passar por sua mesa uma carta onde também estava escrito que "minha conta conta no Nations Bank de Houston é a seguinte: (...) Magda Fanni". Pediu o documento remetido por Mauch. Tinha sumido. "Ou esse papel aparece, ou vamos ter uma nova CPI", respondeu Melo, discreto vice-presidente da comissão, que é capaz de fazer qualquer coisa pelo BC, menos o papel de bobo. O documento apareceu.
Mello comparou a carta recebida por Nahoum e o documento mandado por Mauch.
Os dois tinham a frase: "A minha conta no Nations Bank de Houston é a seguinte: (...) Magda Fanni". A carta, contudo, tinha mais. Informava que Magda, uma prima de Nahoum que mora no México, estava tratando da venda de uma linha telefônica que pertencera a um parente morto. Sugeria que a passasse adiante e remetesse o dinheiro para sua conta no Nations Bank.
Até a Magda do "Sai de Baixo", com seus dois neurônios, é capaz de deduzir que quando uma Magda informa o número da conta de Magda Fanni no Nations Bank de Houston, a conta é da Magda.
Os jornalistas Luís Nassif e Dora Kramer denunciaram a fraude. O advogado de Nahoum, Felipe Amadeo, estrilou. Aconteceu nada.
Passaram-se três semanas. A CPI, que recebeu uma suspeita quase certamente fraudulenta (porque sugere algo que não estava habilitada a sugerir) não teve pressa para esclarecer o triste papel em que foi colocada.
Claudio Mauch se manteve até agora em olímpico silêncio. (Mauch é ruim de cofre. A famosa Pasta Rosa, que guardava as traficâncias políticas do Banco Econômico, estava na sua caixa-forte quando o doutor Gustavo Loyola presidiu seu primeiro e glorioso vazamento.)
Não tem jeito:
Ou a "anotação" é de Nahoum e, nesse caso, trata-se de uma confissão, coisa diferente de uma "possível" existência de conta no exterior.
Ou a "anotação" é um trecho da carta da Magda, destinada a iludir senadores que preferem operar com dois neurônios quando se associam aos diretores do Banco Central.

O doutor Joel Rennó fez a Câmara de boba
O presidente da Petrobrás, Joel Rennó, resolveu fazer de boba a Câmara dos Deputados e o seu presidente, Michel Temer, não se incomodou.
Aconteceu o seguinte:
Em agosto do ano passado, quando FFHH dizia de dia que não tinha compromisso com a tese da reeleição e articulava à noite a melhor forma de botar o bloco na rua, o Palácio do Planalto divulgou uma pesquisa feita pelo Ibope e pela MCI informando que ele tinha 41% das preferências dos eleitores. (Hoje tem 48%).
Descobriu-se que a pesquisa tinha sido paga pela Petrobrás. O porta-voz da Presidência da República confirmou a notícia e justificou a conduta do governo informando que a Presidência recorre às burras das estatais porque não tem recursos próprios para fazer esse tipo de serviço. Não se sabe o que a instituição da Presidência da República e o ervanário da Petrobrás tinham a ver com a vontade do professor Cardoso de mudar a Constituição para continuar no governo, mas deixa pra lá.
Também não se sabe qual é a lógica pela qual a Petrobrás rende ao governo a autoglorificação do presidente enquanto um de seus diretores, José Machado Sobrinho, foi demitido em 1995 por denunciar o que considerava ser um processo de lavagem cerebral em benefício da privataria.
O deputado Ivan Valente (PT-SP) encaminhou um requerimento de informações ao Ministério de Minas e Energia querendo saber:
Por que a Petrobrás custeou uma pesquisa de opinião que acabou sendo divulgada pelo Planalto?
Quanto custou a pesquisa?
Onde está a cópia do seu contrato?
Nada demais, já que a Petrobrás é uma companhia de capital aberto e não pode distribuir o patrimônio de seus acionistas para engordar o rendimento político do inquilino do Alvorada.
Rennó respondeu à Câmara dos Deputados com a seguinte história:
1) A Petrobrás resolveu fazer uma campanha de publicidade, abriu uma licitação e passou a tarefa à agencia de publicidade Propeg.
2) Para orientar a campanha, a Propeg contratou a empresa MCI para realizar uma pesquisa. (A MCI foi a empresa de consultoria eleitoral de FFHH e do PSDB durante a campanha de 1994.)
3) A MCI incluiu perguntas relacionadas com a reeleição, sem que a Petrobrás soubesse de nada. Quando apareceram os bonitos resultados, o pacote foi remetido à Secretaria de Comunicação da Presidência, como manda a norma de centralização da publicidade oficial. Lá, o departamento de imprensa e propaganda do tucanato fez render a petropopularidade de FFHH.
A história de Rennó, além de caótica, não confere com a declaração do porta-voz da Presidência, que reconheceu o subsídio da Petrobrás.
O problema do deputado Ivan Valente continua do mesmo tamanho:
Quanto custou a pesquisa?
Onde está a cópia do seu contrato?
O presidente da Câmara, Michel Temer, deu-se por satisfeito com a resposta de Rennó e mandou o caso ao arquivo. Valente vai à Justiça como cidadão, já que como deputado foi convidado a fazer papel de bobo.

A culpa era da inflação. Agora é da sociedade.
Eremildo não é neobobo, é idiota mesmo. Ele decorou a exposição de motivos que o professor Pedro Malan enviou a FFHH em novembro de 1995, criando o Proer.
Sempre que alguém lhe diz que os diretores do Banco Central não fiscalizam as maracutaias financeiras, o idiota recita a explicação de Malan:
- No que diz respeito à supervisão prudencial exercida pelo BC, as receitas inflacionárias auferidas antes da introdução do Real distorciam os dados contidos nas respectivas demonstrações financeiras.
Em trocados: a inflação mascarava balanços.
Diante do escândalo dos precatórios, todos produzidos num regime de moeda estável, sob sua "supervisão prudencial", o professor Malan deu outra explicação à repórter Sonia Racy:
- A mesma sociedade que cobra do BC maior eficiência e eficácia não se dá conta de que, para que isso aconteça, é preciso dotar a instituição de recursos para pagar salários razoáveis.
Se em 1995 o problema da cegueira dos diretores do BC era culpa da inflação, em 97 é culpa da sociedade brasileira. Malan se esqueceu de mencionar que no dia 14 de março assinou a reedição da medida provisória 1.553, aliviando, com justos motivos, os contracheques dos 6.370 funcionários do BC, dos quais 5.500 (87%) são analistas.
Eremildo sustenta que Malan não tem nada a ver com isso, pois nenhum Malan está livre de viver numa sociedade que julga neoboba, assim como nenhuma sociedade está livre de ter uma pessoa com idéias desse tipo no Ministério da Fazenda.
De qualquer forma, admitindo-se que haja uma relação direta entre os salários do BC e a qualidade de sua fiscalização, Eremildo está procurando o professor Malan para lhe perguntar se não acontece o mesmo com os médicos, professores e funcionários públicos em geral. Aqueles que acusa de usufruir os tais "abusos adquiridos".

A costura da toga
Chegou às livrarias uma provocativa pesquisa sobre o perfil dos juízes brasileiros. Chama-se "Corpo e Alma da Magistratura Brasileira", de Luiz Werneck Viana, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios da Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos.
Resultou da remessa de 12 mil questionários a juízes de todo o Brasil e da análise das respostas dadas por 4.000.
Essa amostra informa:
Os juízes são jovens. Sua idade média é de pouco mais que 42 anos.
As mulheres estão ocupando um lugar especial na magistratura. São quase 20%. Entre 1966 e 1970, sua participação nos concursos era de 6% e atualmente está em 27%, chegando a mais de um terço na região Sudeste. Mais da metade são solteiras, divorciadas ou separadas. Elas vêm de famílias com níveis sociais e de escolaridade ligeiramente superiores aos dos homens.
É possível que esteja ocorrendo a entrada de uma nova elite na magistratura. Em 1970, só 20% dos concursados tinham pais com formação universitária. Hoje são 40%.
Mais da metade dos magistrados são filhos de funcionários públicos ou de empresas estatais.
Só 12% dos juízes cumpriram um processo pedagógico de manual, formando-se em direito antes dos 22 anos. É mais comum que tenham demorado a se formar. Mais da metade passou por cursos noturnos.
A reforma agrária é uma alta prioridade para 43% dos magistrados que responderam aos questionários. Não tem qualquer prioridade para 4%.
Enquanto 57% acham que o acesso universal e gratuito aos serviços de saúde é viável e desejável, 31% acreditam que os programas de renda mínima para trabalhadores com mais de 25 anos são uma coisa inviável e indesejável.

FFHH 14
Uma das disfunções intelectuais que com frequência se abate sobre os monarcas é o embotamento da percepção da diferença entre governo e Estado. Começam confundindo o Estado com o governo e, se não conseguem cura, acabam confundindo Estado e governo com suas próprias pessoas. É o complexo tardio de Luís 14.
FFHH disse há poucos dias que a Companhia Vale do Rio Doce "não rende nada para o governo".
A Vale existe para render ao Estado, a quem pertence, e não ao governo. Por isso ela é uma empresa estatal e não uma companhia governista.
Exemplificando: O ministro Luiz Carlos Santos, o do balcão, é um político governista. Serviu diligentemente ao governador Orestes Quércia e agora rende ao professor Cardoso mesmo quando anuncia que persegue a diligência a serviço do Estado.

Por um triz
A decisão de se cortar o prazo de financiamento das importações foi tomada há quase dois meses, mas o diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Gustavo Franco, sentou-se em cima da providência. Ele sustentava que o financiamento era um alívio para o peso do déficit comercial.
Se não tivesse mudado de idéia, perderia o cargo.

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