São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Segredos eróticos do nariz

ROBERT TAYLOR
DA "NEW SCIENTIST"

Alguns cientistas dizem que as pessoas têm um órgão sexual no nariz. Infelizmente não existe maneira mais educada de explicar a idéia. Se isso lhe incomoda, não se preocupe. Nem todos os pesquisadores estão convencidos da idéia.
A estrutura sobre a qual os cientistas andam discutindo é o órgão vomeronasal, conhecido pela sigla VNO (por suas iniciais em inglês).
O VNO é feito de um par de fendas minúsculas em cada lado do septo nasal, em cima do osso vômer. Sabe-se que a mesma estrutura, em outros mamíferos, age como um órgão sensorial e frequentemente desempenha um papel chave nos jogos sexuais e outros jogos sociais dos animais.
Depois de passar décadas negando sua existência no ser humano, a maioria dos anatomistas agora concorda que possuimos uma estrutura que se assemelha muito ao VNO. O que está em discussão é se ele tem alguma função nos seres humanos ou se não passa de um vestígio não funcional, remanescente de nossos ancestrais que andavam sobre quatro patas.
Um grupo liderado por David Berliner, co-fundador da empresa farmacêutica Pherin Corporation, Califórnia, afirma que o VNO humano é um órgão sensorial espantosamente sensível, e que os compostos que o estimulam são capazes de provocar modificações psicológicas profundas.
Outros cientistas ainda não se convenceram da veracidade das alegações, embora não excluam a possibilidade de o VNO humano exercer um papel funcional.
A exploração comercial da dimensão sexual do VNO já começou. Já existe à venda na Europa e nos EUA uma linha de perfumes que supostamente contêm feromônios humanos, que estimulariam o VNO.
Fendas
Curiosamente, o VNO nos seres humanos foi identificado pela primeira vez há 300 anos, mas depois desapareceu misteriosamente dos livros de medicina.
O órgão é completamente distinto do principal sensor de substâncias químicas que o nariz possui, o epitélio olfativo, que detecta odores cotidianos tais como os de flores e alimentos.
O VNO humano parece duas fendas pequenas, situadas a cerca de um centímetro das narinas, com aberturas minúsculas de cerca de 0,1 mm de largura em seus centros.
Atrás de cada abertura existe um tubo curto e fechado numa de suas extremidades, que pode ou não conter células receptoras de feromônios.
Se os VNOs de humanos e animais foram identificados pela primeira vez há séculos, os feromônios, só penetraram na consciência dos pesquisadores há algumas décadas.
A palavra foi cunhada em 1959 por cientistas que estudavam a comunicação química entre insetos. Eles a aplicaram a qualquer composto -esteróide, alcalóide, proteína ou outros- liberado por membros de uma espécie para levar informações a outros membro da mesma espécie.
Lenço de papel
O fato de que alguns mamíferos têm um órgão sexual sensorial no nariz não parecia ter muita relevância. Tudo isso começou a mudar em 1986.
Armados com um lenço de papel e um espéculo, David Moran, na época trabalhava na Universidade da Pensilvânia, e Bruce Jafek, da Universidade do Colorado, encontraram fendas vomeronasais em praticamente todas as pessoas que examinaram.
Foi quando entrou em cena o professor de anatomia David Berliner. Enquanto estudava a química da pele humana, Berliner havia descoberto um extrato de pele que, quando deixado exposto ao ar livre, deixava os funcionários de seu laboratório de ótimo humor.
No final da década de 80, Berliner contratou alguns cientistas para ajudá-lo a descobrir se o VNO humano tinha alguma relação com essas oscilações de humor.
Um de seus colaboradores, o fisiologista Louis Monti-Bloch, da Universidade do Utah, inventou um aparelho capaz de registrar mudanças na voltagem da superfície das células que revestem o VNO enquanto esguichava diferentes componentes do extrato de pele para dentro do VNO.
Sondas elétricas semelhantes foram usadas para registrar mudanças na voltagem da superfície do epitélio olfativo.
Dois compostos esteróides presentes nos extratos desencadearam uma resposta elétrica nas células do VNO, mas não no epitélio olfativo. Compostos como o óleo de cravo, que provocam uma mudança maciça na voltagem da superfície do epitélio olfativo, não causaram nenhuma modificação no VNO.
O sexo
O mais espantoso foi o fato de que a sensibilidade do VNO em relação aos dois esteróides presentes no extrato de pele dependia do sexo de seu dono. Os VNOs de voluntários se excitaram eletricamente em reação ao esteróide encontrado na pele feminina. Os VNOs de mulheres ficaram excitados na presença de um esteróide encontrado na pele masculina.
Para Monti-Bloch e Berliner, esses resultados levam a crer que o VNO humano, longe de ser o equivalente nasal do apêndice, é tão vital quanto qualquer outro órgão sensorial.
Ademais, lhes pareceu que o VNO desempenha um papel em algum tipo de sinalização sexual subliminar.
Com base nisso, Berliner criou uma empresa, a Erox, hoje sediada em Nova York, que vende dois perfumes, um para homens e outro para mulheres.
A publicidade dos perfumes destaca o fato de que eles contêm feromônios, e os compradores tendem a supor que o perfume que usam funciona como atrativo sexual para as pessoas do sexo oposto.
O perfume Realm Men contém o esteróide presente na pele feminina, enquanto o Realm Women contém o esteróide da pele masculina. A companhia afirma que as substâncias químicas femininas são colocadas no perfume dos homens, e vice-versa, com o objetivo de fazer as pessoas que usam os perfumes sentir-se bem e cheias de autoconfiança. Em outras palavras, para lhes provocar a ilusão feromonal de que acabam de ter relações sexuais.
Provas
Em junho do ano passado, a equipe de Berliner publicou o que acredita ser uma prova conclusiva de que o VNO humano é realmente ativo. Em um artigo publicado no "Journal of Steroid Biochemistry and Molecular Biology", ele reportou que quando doses minúsculas -menos de um bilionésimo de grama- de um esteróide sintético batizado de PDD foram pulverizadas sobre o VNO de dez homens, eles de repente ficaram relaxados, calmos.
Seus ritmos cardíacos e respiratórios diminuíram, os capilares da pele de suas mãos se dilataram e os registros elétricos do cérebro constataram um aumento na atividade de ondas alfa, clássicos indícios de relaxamento.
Segundo Monti-Bloch, o PDD, esguichado sobre o VNO, é capaz de alterar os ritmos diários de dois hormônios chaves, o hormônio luteinisante e o hormônio folículo estimulante.
Atendendo a comandos do hipotálamo, a glândula pituitária libera esses hormônios no sangue em jatos, várias vezes por dia.
Esses hormônios, por sua vez, determinam os níveis de testosterona do homem. Quando cerca de 200 trilionésimos de grama de PDD foram esguichados sobre o VNO várias vezes por hora, durante seis horas, o tempo entre jatos hormonais nos homens aumentava. Um tratamento semelhante não exerceu efeito sobre voluntárias. E, segundo Monti-Bloch, dados ainda não divulgados mostram que os níveis de testosterona dos homens também caíram.
Berliner também acredita que existe um potencial enorme para a criação de drogas que exerçam impacto diretamente sobre o VNO.
Ele afirma, por exemplo, que um dia esse tipo de medicamento poderia substituir as drogas atualmente usadas para reduzir a testosterona dos homens que têm câncer da próstata.
Mas talvez o maior mercado do que Berliner chama de "vomeroferinos" seria o tratamento de desordens como a ansiedade aguda, pela indução instantânea de um estado de relaxamento.
Segundo Michael Meredith, da Universidade Estadual da Flórida, que estuda o sistema vomeronasal em mamíferos, "não há provas de que o VNO humano não seja ativo". Segundo ele, não há prova anatômica da conexão neural entre o VNO e o cérebro.
Mas e se a equipe de Berliner tiver razão? O que dizer se ficar comprovado que eles assumiram um risco e acertaram, tornando-se os primeiros a aproveitar comercialmente o "sexto sentido" humano? Nesse caso, não apenas Berliner e sua equipe terão conquistado um lugar nos livros de anatomia como os descobridores do "nariz sexual" humano, como também estarão em condições de ganhar muito dinheiro.

Tradução de Clara Allain

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