São Paulo, domingo, 30 de março de 1997 |
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Público não "entende" suicídio de San Diego
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
O público parece achar inconciliáveis as condições de gênios de computador e de fanáticos religiosos que essas 39 pessoas mantinham em conjunto. De uma certa maneira, a perplexidade é similar à descoberta de que o Unabomber é um matemático brilhante ou a de que o Prêmio Nobel de Medicina Daniel Gajduzek explorou sexualmente dezenas de garotos que eram o objeto de seu trabalho. A fonte dessa estupefação coletiva é a confiança total que se costuma ter na inteligência e na cultura como antídotos para comportamentos socialmente condenáveis. A inteligência é vista como medida essencial para indicar superioridade entre humanos. E, neste final de século, inteligência é considerada sinônimo da capacidade de pensar de maneira linear, mecânica, lógica e consequente. As dimensões emocional e moral da inteligência têm sido colocadas à margem na avaliação que a sociedade faz. Mesmo um exame superficial dos depoimentos em vídeo dos membros do Heaven's Gate mostra que eles podiam gerar magníficos sites de Internet, mas que lhes faltava muito para um satisfatório equilíbrio emocional. O isolamento absoluto a que se condenaram e a esperança profunda que esses místicos cibernéticos tinham em relação a óvnis se complementam. A confiança na tecnologia e a suspeita em relação aos demais seres humanos na verdade chega a ser típica dos surfadores compulsivos da Internet, que preferem a realidade virtual, asséptica e segura, às dificuldades exasperantes do contato com outras pessoas, tão mais imperfeitas e imprevisíveis do que os computadores. A castração de muitos dos homens do Heaven's Gate é mais do que expressiva nesse sentido: o que há de mais ameaçador para qualquer pessoa do que o sexo? A crença completa na inteligência do computador é a realização do ideal da técnica da múltipla escolha. Surfar na Internet significa basicamente escolher entre várias opções. Não há lugar para a dúvida, elemento vital para a compreensão. Clinton estabeleceu como prioridade um para a educação integrar todas as escolas dos EUA à Internet. Mas as primeiras pesquisas sobre o desempenho acadêmico de alunos com acesso à rede comparado ao dos que não lidam com ela mostram inexistência de diferenças significativas entre eles. A imagem de suicídio coletivo de fanáticos religiosos que melhor se encaixa no arquétipo social é a de Jonestown (Guiana, 1978): corpos de pobres e ignorantes amontoados pelos campos. Chegou a vez dos suicídios "new age", limpos, ordenados, racionais, em mansões. A sociedade tecnológica tem de aprender a lidar com suas criaturas, normais ou desviadas, para viver em paz. (CELS) Texto Anterior: Mulher já previa a morte do filho Próximo Texto: Santa Fé vira ponto turístico Índice |
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