São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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Médicos extraem remédios da música

GILBERTO DIMENSTEIN

O CD "Songs of Love" ("Músicas de Amor") foi lançado nesta semana em Nova York, inspirado na história real de crianças com doenças graves, muitas em estado terminal.
Por trás desse projeto está o brasileiro John Beltzer, 37 anos, desde os oito vivendo nos Estados Unidos.
Beltzer entrega um questionário à família dos pequenos pacientes e descobre do que as crianças gostam, o nome de seu animais de estimação, dos melhores amigos, suas brincadeiras e passatempos.
Com base nos dados biográficos, ele reúne compositores, cantores e letristas. Em pouco tempo, o homenageado recebe, em seu leito no hospital, uma fita cassete com a música personalizada. Todos trabalham sem cobrar.
Medina Feliciano, por exemplo, gostava de policiais. Internada num hospital Bronx com um tumor cerebral, ela vibrou quando ganhou uma música cantada por um coro de 50 voluntários da polícia de Nova York.
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"Comecei a compor para crianças doentes para suportar a dor da morte de meu irmão gêmeo, que se matou numa crise de depressão", diz John num português que mistura palavras em inglês.
No começo foi difícil; os hospitais não queriam divulgar informações dos pacientes, consideradas confidenciais. Mas a alegria das crianças acabou contagiando médicos, enfermeiras e familiares.
Os pais do pequeno Scotty Anderson mandaram uma carta emocionada a Beltzer agradecendo a felicidade que proporcionou a seu filho, vítima de câncer, nos últimos dias de vida. Eles mandaram dinheiro para futuras gravações e contaram que tocaram a fita no enterro do menino.
O projeto "Songs of Love" cresceu. Com o CD espera o financiamento e adesão de estrelas da música pop para expandir a produção de músicas personalizadas, homenageando mais pacientes.
John ganhou um elogioso perfil no "The New York Times" e foi entronizado na categoria dos heróis da cidade.
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O sucesso de projetos como esse é consequência da mudança de mentalidade na medicina norte-americana, cada vez mais aberta a prática antigas chamadas alternativas. As mais renomadas faculdades do país -a começar por Harvard- estudam os efeitos da ioga, meditação, reza, acupuntura ou homeopatia.
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Entre as práticas alternativas está o tratamento de doenças pela música, um ramo de estudo que leva a sigla PNI (psiconeuroimunologia); investigação dos efeitos das emoções no corpo.
Um dos mais importantes hospitais de Nova York, Beth Israel, entre muitos outros, decidiu criar um programa apenas para ministrar doses diárias de música a seus pacientes; ajudaria, apostam, na recuperação pós-operatória.
Por causa da onda, escolas públicas mantêm som ambiente permanente com melodias clássicas, supondo seus efeitos calmantes. Número crescente de psicólogos e pedagogos adere à terapia musical.
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Em várias universidades, cientistas testam em aparelhos de última geração as reações químicas provocadas no corpo pelos sons.
Estudo da Universidade do Estado da Califórnia com vítimas crônicas de enxaqueca mostra que pacientes reagiram melhor aos medicamentos tradicionais quando submetidos à musicoterapia. Melhor inclusive do que sessões de relaxamento.
Foram registrados também bons resultados com doenças gástricas e pressão alta. Cientistas explicam que certas músicas detonam processo químico, atingem o sistema nervoso, descontraem o corpo e até aliviam dor.
Calcularam até que 30 minutos diários de compositores clássicos equivalem a um quinto de Valium.
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A medicina pode ser alternativa, mas o preço não é. No ano passado, tratamentos alternativos movimentaram US$ 17 bilhões, e as cifras não param de crescer.
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Está disponível por e-mail texto sobre experiências de terapia musical. No final, há a lista de músicas, todas clássicas, testadas em laboratório, que, segundo os cientistas, ajudariam na saúde. Aviso ao leitor: as músicas podem não curar, mas mal não fazem.
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PS - O educador Paulo Freire, 74 anos, que vai dar aulas em Harvard, disse na semana passada em Nova York: "Se parar de trabalhar não tenho como me manter". Fôssemos menos incivilizados, um intelectual desse nível só trabalharia por prazer. Pelo menos aqui, pagam bem para ele dar aula. A Universidade de Nova York prepara junto com o cineasta Júlio Wainer documentário sobre a influência de Freire no mundo, de aldeias de beduínos, passados por escolas no Bronx, até a tribos africanas -uma influência desconhecida mesmo no Brasil.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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