São Paulo, domingo, 30 de março de 1997
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RISCOS DA INÉRCIA

O cenário político brasileiro chegou a um momento "sui generis".
Entre os malufistas, que acalentavam o projeto de uma candidatura presidencial em 1998, a sucessão de percalços tem sido digna de uma tragédia grega. Isso não apenas em virtude do início das revelações da CPI dos Precatórios, mas, a rigor, desde que a ameaça de resistência de Paulo Maluf e de seus adeptos à emenda da reeleição mostrou nada mais ser do que uma bravata.
No pólo oposto do espectro, os petistas esgotaram a tal ponto o repertório do discurso catastrofista e da mobilização sindical-corporativista que nada mais restou senão voltarem-se para fora do partido, rumo às bases ou aos movimentos populares de onde supostamente seria possível extrair novas energias partidárias.
O presidente FHC, amparado em indicadores sem precedentes de popularidade, vem dando mostras de um conforto político que, no limite, traduz-se numa confiança crescente na estabilidade do próprio poder de influência e composição.
Entretanto, há pelo menos duas tensões dramáticas que prometem emoções fortes nos próximos atos desse enredo.
Primeiro, sabe-se que, apesar do fortalecimento do prestígio e do poder pessoal do presidente e mesmo do sucesso do "rolo compressor" pela emenda da reeleição, não se observam sequer indícios da mesma disposição -da mesma energia- na consecução das apregoadas reformas do Estado. Reformas que exigiriam audácia, rupturas que iriam contrariar interesses e possivelmente abalar o que parece um equilíbrio estável de poder.
Ao contrário, a política palaciana já faz chegar à opinião pública a tese de que as grandes mudanças viriam apenas em 1999, talvez uma nova revisão constitucional num momento, supõe-se, de fortalecimento ainda maior de FHC. Na prática, isso não passa da repetição de um velho filme, o da postergação dos conflitos e do requentamento das reformas.
Para os cínicos, essa nova forma de justificar a manutenção do "status quo" é oportuna e confortável. Entretanto, a lentidão nas reformas tem custos bem objetivos.
Arrasta-se uma política de endividamento público inaceitável, a privatização demorada adia a redução do "custo Brasil", a reforma do Estado até agora se resume a criar mais impostos e a apenas sonhar com uma reforma administrativa. Enquanto isso, a pressão dos trabalhadores inativos vai dando corda à bomba-relógio previdenciária.
Mais crucial, entretanto, talvez seja o fato de que a credibilidade do país junto aos credores externos, sobre a qual repousa o sucesso da estabilização, tende a se enfraquecer com a incapacidade de criar uma correspondência entre a popularidade presidencial e a efetiva mudança das estruturas que condenam o Estado à falência fiscal e à ineficiência social.
A tensão entre presidente popular e governo incapaz de ser impopular fragiliza a política de estabilização.
Mas há outra tensão dramática que também poderá tornar-se aos poucos mais visível e problemática. Ela resulta do próprio sucesso pessoal de Fernando Henrique Cardoso.
Nas eleições de 1994, mesmo com o êxito inicial do Plano Real, FHC precisava de aliados. Hoje, são os aliados que precisam de FHC. Mais, disputam-no com voracidade crescente, alimentando atritos que serão maiores na medida mesma em que crescer o prestígio do presidente.
Não é difícil antecipar a resultante dessas tensões na cena política. Os grandes partidos, sobretudo PMDB e PFL, mais frágeis quanto mais forte é a pessoa do presidente, podem dar-lhe no Congresso nada mais que os graus de liberdade suficientes para que todas as grandes reformas, enfim, sejam ou adiadas ou diluídas. O que, afinal, poderia conduzir ao primeiro conjunto de tensões.
Nos textos teatrais usa-se a expressão "exeunt" ou "exit" para indicar o momento em que uma personagem sai de cena.
Hoje, saem de cena os partidos, e o presidente FHC canta uma ária imponente. Mas a política, sobretudo no Brasil, raramente seguiu roteiros previsíveis. FHC está apenas no primeiro ato, e, apesar da sua popularidade, falta ainda muito para chegar a um final feliz.

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