São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pequenas mentiras

JOÃO SAYAD

O argumento que vou apresentar não faz nenhuma diferença. A reforma da Previdência vai continuar sendo discutida da mesma forma no Brasil e em outros países do mundo, e a discussão continuará como sempre, ideológica e com algumas mentiras.
Argumento apenas por preciosismo e para o prazer de quem gosta de entender as coisas.
Em qualquer reunião do mundo financeiro ou de empresários existe um sentimento de urgência com relação à reforma da Previdência.
A discussão sempre acaba com a afirmação de que a mudança do regime previdenciário do sistema de repartição para o sistema de capitalização aumenta a poupança da economia e permite o financiamento de longo prazo para as empresas.
Confesso que não sei por que alguém gostaria de aumentar a poupança. Crescimento depende de investimento e não de poupança. O déficit comercial que tanto preocupa não está ligado à falta de poupança privada. A poupança pública é toda gasta com pagamento de juros altos para atrair o capital externo.
Não sei também o que a poupança tem a ver com financiamento de longo prazo. O prazo do financiamento depende muito mais da estabilidade dos preços do que do prazo ou do volume de poupança.
Para explicar como funciona a Previdência sob os regimes de capitalização e de repartição apresento as tabelas abaixo.
A contribuição para a Previdência Social de uma geração é a poupança desta geração para pagar a aposentadoria no futuro. S1 é a poupança de geração 1, S2 da geração 2 e assim por diante.
O aposentado não produz. A renda que recebe é poupança negativa ou gasto de poupança, apresentada como -S.
No regime de repartição, o regime atual, a poupança dos trabalhadores paga a aposentadoria dos mais velhos e inativos. No regime de capitalização, a poupança de uma geração é usada para pagar a própria aposentadoria no futuro.
O regime de capitalização geraria um aumento de poupança se a poupança das gerações mais novas, S2, fosse maior do que a poupança das gerações mais velhas, S1. Em outras palavras, se a contribuição previdenciária das gerações mais novas fosse maior do que a aposentadoria paga às gerações anteriores.
Ora, se este fosse o caso, o regime atual da Previdência não estaria com a ameaça de déficit nem precisaria ser reformado. A previdência no Brasil e no mundo enfrenta problema financeiro porque:
1) A população está ficando mais velha -portanto, as gerações de aposentados são maiores do que as gerações de contribuintes. Portanto, os S1-S2 são negativos.
2) A participação do trabalho informal, que não recolhe contribuição de Previdência, está crescendo. Portanto, as gerações mais novas contribuem menos do que as mais velhas e, portanto, novamente os S1-S2 são negativos.
3) O desemprego aumenta e a contribuição dos empregados de hoje é insuficiente para pagar os aposentados e, portanto, S1-S2 é negativo.
Portanto, a mudança do regime previdenciário do sistema de repartição para o sistema de capitalização não aumenta a poupança dos trabalhadores, conforme queríamos demonstrar.
Isto não quer dizer que a Previdência não precise de uma boa reforma: descentralização do controle, equidade na distribuição dos benefícios, reforma administrativa. Nada disso tem a ver com poupança.
Empréstimos, depósitos, poupanças e investimentos às vezes dão certo e são pagos, às vezes não dão certo e não podem ser pagos. São transações feitas com o futuro, e o futuro a Deus pertence.
A dívida externa e a dívida pública com juros de 20% ao ano são bons exemplos. A Previdência é só mais um exemplo.
Na realidade, a reforma é necessária porque a Previdência não deu certo, porque ficamos mais velhos, mais desempregados e mais informais.
É como se o país tivesse lançado há muitos anos um consórcio ou uma Corrente da Felicidade que não deu certo, e agora ninguém quer pagar a conta dos prejudicados.

E-mail: jsayad@ibm.net.br

Texto Anterior: Mappin em franquia; Sem intermediários - 1; Sem intermediários - 2; Gato no pedaço; Com a mão no bolso; Beleza expressa; Barrada no baile; Rosas na balança; Balanço bilionário; Novo perfil; Fatia maior; Preparando executivos; Loura mais barata; Mulher na pauta; Financiando empregos; No bolso; Cartão em parceria; Em extinção
Próximo Texto: Seguros, a leitura do índice combinado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.