São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 1997
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Bertolucci paralisa a história em "Estratégia"

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

No conto "Tema do Traidor e do Herói", de seu livro "Ficciones", de 1944, Borges expõe o esboço de um argumento: o do revolucionário que trai sua causa e é justiçado pelos companheiros, que por sua vez imputam o assassinato aos inimigos e o transformam em herói.
A trama, sugere Borges, deve transcorrer "num país oprimido e tenaz". Aleatoriamente, ele escolhe a Irlanda, em 1824.
Ao transpor o conto para a tela, em "A Estratégia da Aranha" (1970), Bernardo Bertolucci situou a história num vilarejo italiano, mas manteve o argumento básico de Borges, quase um teorema sobre a história humana como representação teatral.
O entrecho é enganosamente simples. Athos Magnani (Giulio Brogi) desembarca de trem na cidadezinha de Tara, que cultua seu pai, também chamado Athos Magnani, como herói antifascista.
Athos filho investiga a morte de Athos pai, mas enfrenta a resistência lacônica dos habitantes do lugar, quase todos velhos. Quem o ajuda e incita é a ex-amante do pai, Draifa (Alida Valli).
Mais que esse fio de enredo, importa a maneira como Bertolucci constrói sua parábola. Em termos narrativos, há uma sacada brilhante: nos flash-backs, Athos pai é representado pelo mesmo ator que encarna Athos filho, e seus companheiros são também os mesmos nos dois momentos, sem maquiagem rejuvenescedora. Passado e presente se sobrepõem, num ambiente estático, inalterado.
Some-se a isso uma organização ao mesmo tempo pictórica e teatral do espaço -em que prevalecem a simetria, a profundidade de campo, os grandes espaços vazios- e o resultado é uma impressão de abolição do tempo e da progressão histórica.
Para o Bertolucci de "A Estratégia da Aranha", como para Borges, a História é um sonho (ou pesadelo) recorrente.
É irônico que seis anos depois o cineasta tenha feito o épico esquerdista "1900". Pois não há filme mais antiépico e descrente da "verdade histórica" que "A Estratégia da Aranha". Athos -herói ou traidor- anda pelas ruas desertas de Tara como quem percorre um quadro de De Chirico ou o cenário de uma ópera.
A esplêndida fotografia de Vittorio Storaro, os precisos movimentos de câmera, a beleza arquitetônica da cidade (Sabbioneta), tudo isso vale ouro nestes nossos tempos de poluição do olhar.

Vídeo: A Estratégia da Aranha
Produção: Itália, 1970, 90 min.
Direção: Bernardo Bertolucci
Com: Giulio Brogi, Alida Valli
Lançamento: Sato (011/7295-9555)

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