São Paulo, terça-feira, 1 de abril de 1997
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Os engodos de Maluf

LUÍS NASSIF

Em sua entrevista a correspondentes brasileiros em Paris, com a esperteza que lhe é peculiar, o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, tenta passar duas mentiras e um engodo.
A primeira mentira, a de que eu teria afirmado que ele, Maluf, pagou despesas pessoais de Wagner Ramos. Quem afirmou foi o banqueiro Fábio Nahoum, a partir de conversas com o próprio Ramos.
A segunda, a de que Nahoum desmentiu a coluna. A nota de Nahoum desmentiu versões do encontro publicadas por outros órgãos de imprensa, não pela coluna.
O engodo é pensar que vai me constranger com uma ameaça de processo conduzido pelo advogado Saulo Ramos.
Por que centrou fogo na coluna? Porque, desde o começo, não aceitei a tese da meia pizza, de que um esquema que movimentou bilhões de dólares, se prevaleceu da situação de penúria de Estados quebrados e envolveu duas das mais poderosas instituições da República -o Senado e o Banco Central- tenha sido montado por um banco insignificante, com capital de apenas US$ 6 milhões, e um grupo de funcionários de carreira da Prefeitura de São Paulo.
Na conversa, testemunhada por quatro pessoas, Nahoum declarou: 1) Wagner Ramos se vangloriava com ele de tratar diretamente com Paulo Maluf das negociações com outros Estados; 2) pelo que Wagner Ramos dava a entender, Celso Pitta estaria por fora dessas negociações.
São deduções feitas pela pessoa que estava na linha de frente das negociações com a prefeitura paulistana, relatando conversas que teria mantido com o próprio coordenador da dívida paulista.
As declarações foram reproduzidas com a cautela necessária, e são indícios importantes em qualquer investigação séria a respeito do tema.
Evidências
O esquema dos precatórios consistia de duas frentes. A primeira, da montagem dos precatórios nos Estados. A segunda, a negociação dos títulos no mercado financeiro.
Pelo que foi apurado até agora:
1) a primeira frente -montagem da operação técnica- foi toda feita por técnicos da Secretaria das Finanças de São Paulo, usando telefones da secretaria e viajando quando deveriam estar trabalhando;
2) todos os contatos com o Banco Central eram realizados pelo sr. Pedro Neiva, funcionário da prefeitura e ex-colega de mercado tanto do prefeito Celso Pitta quanto de Fábio Nahoum. E que tinha tanta liberdade com o chefe a ponto de oferecer um carro alugado para ele;
3) a segunda frente terminava em um doleiro, a Split, com dois negócios explícitos com a prefeitura de São Paulo. O primeiro, como doleiro da operação Pau Brasil, esquema de caixinha política do candidato Paulo Maluf. O segundo, como fornecedor de equipamentos, em uma licitação onde a prefeitura foi acusada de beneficiá-lo.
Não é tudo, mas não é pouco. A trama dos precatórios não vai ser deslindada a toques de mágica, com uma testemunha que aparecerá do nada e dará todas as provas requeridas. Vai ser montada peça a peça, com paciência e método, e principalmente não se caindo no engodo dos envolvidos, de jogar o foco das investigações para longe de si.
O encontro
O convite para um encontro reservado foi feito pelo próprio Requião a Nahoum, no mesmo dia em que o banqueiro foi depor na CPI. Nahoum recusou, julgando que a CPI já o tinha escolhido para bode expiatório. Mais tarde, aceitou comparecer se estivesse presente alguma pessoa sem posição preconcebida sobre a questão. Convidou-me por razões óbvias: mesmo não aceitando a tese de sua completa inocência, fui o primeiro a duvidar da história de que foi o grande articulador da operação.
A Folha foi previamente comunicada do encontro. Após a reunião, foi encaminhado ao jornal relatório detalhado, com todas as pistas levantadas na conversa, especialmente entre Nahoum e Requião, que estão permitindo ao jornal avançar em pautas relevantes.
O Senado também foi comunicado do encontro pelo senador Requião, antes e depois de ele ter ocorrido. Tanto que, depois do encontro, fui convidado por Requião a entrar na reunião fechada com os senadores, onde relatou a conversa com Nahoum. Não aceitei por ter vôo marcado de volta a São Paulo.
O que demonstra que foi um encontro reservado, não secreto.
A propósito: o que Nahoum disse até agora é considerado insuficiente pelos senadores, que, se já sabem que ele não é o planejador geral, estão longe de acreditar que era um mero corretor ingênuo, seduzido por um bom e legítimo negócio.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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