São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Cinco faces da poesia da Dinamarca

JOSÉ PAULO PAES
ESPECIAL PARA A FOLHA

É quase nenhuma a notícia que o leitor brasileiro tem da literatura dinamarquesa. Resume-se praticamente aos contos de Andersen, dos quais há uma versão brasileira feita diretamente do dinamarquês por Per Johns; à tradução portuguesa de "Nils Lyhne", o romance de Jens Peter Jacobsen (1847-85), de que Rilke gostava tanto a ponto de aprender dinamarquês para o poder traduzir; a alguns textos filosóficos de Soren Kirkegaard (1813-55); e a um romance de Henrik Pontoppidan (1857-1943), incluído na série de laureados do Prêmio Nobel, cuja edição foi coordenada por Paulo Rónai, se bem me lembro. E há, claro, o importante "Panorama da Literatura Dinamarquesa", publicado em edição bilíngue pela Nórdica e traduzido também por Per Johns. Nesse "Panorama" é que aparecem, pela primeira vez, peças de quatro poetas dinamarqueses vertidas para a nossa língua.
Escreve-se, no entanto, e se publica muita poesia na Dinamarca. Da qualidade dessa produção dá fé o Prêmio Nobel de Literatura de 1944, conferido a um poeta dinamarquês, Johannes V. Jensen. E, pelo que pude ver pessoalmente, quando participei de um festival internacional de poesia em Copenhague, há lá um público significativo para ela. Durante o festival, as leituras públicas de poemas, com entrada paga, atraíam, diariamente, audiências de mais de 500 pessoas.
As versões poéticas apresentadas nesta e na página ao lado foram feitas durante o aprendizado de uns rudimentos de dinamarquês a que venho me dedicando nas horas vagas. Para a correção dos meus equívocos de principiante, pude contar com a ajuda de Per Johns, o autor de "Cemitérios Marinhos às Vezes Podem Ser Festivos", romance recentemente lançado pela Topbooks. Per, que tem perfeito domínio do português e do dinamarquês literários, cotejou pacientemente minhas versões com o original e apontou-lhes várias incorreções, que pude corrigir em tempo hábil.
Os poetas para aqui trazidos em tradução representam algumas das facetas do modernismo danês, que se estende dos meados do século 19 até a atualidade. Teve ele seus primórdios no empenho do grande crítico Georg Brandes (1842-1927) de introduzir em seu país as novas idéias cientificistas sobre as quais se fundava o naturalismo. À voga naturalista, de cujos ideais foi porta-voz o jornal socialista "Politiken", seguiu-se a voga simbolista, instaurada sobretudo pela revista "Taarnet" (A Torre). Ao grupo arregimentado em torno dessa revista pertenceu Sophus Claussen (1865-1931), o principal poeta simbolista da Dinamarca. Como transparece já no título de seu livro de estréia, "Filhos da Natureza" (1887), cultivou ele um paisagismo sugestivo entremeado de notas eróticas. No tom apologal e na refinada fatura de "Não Desperteis os Cisnes", um dos poemas de "Fábulas" (1917), essas aves que nidificam nas praias dinamarquesas, e que Hans Christian Andersen tornou emblemáticas de sua pátria, revestem-se de uma aura simbólica em que a compulsão para a morte contesta a urgência do élan vital.
Johannes V. Jensen (1873-1950) pertence à chamada "geração regional" ou movimento da Jutlândia, que sucedeu o simbolismo. Seus membros contrapunham, ao refinamento decadente dos costumes urbanos, a vigorosa rudeza da vida campesina e marinheira. "Colombo" é do livro de estréia de Jensen, "Poemas" (1906). Ao atribuir ao navegador genovês origens escandinavas ("coroam-te os cenhos glaciais de 'viking'°"), o poeta patenteava suas convicções nacionalistas, repassadas de admiração pelo imperialismo inglês e pela tecnologia norte-americana. O culto dos valores nórdicos, nuclear na numerosa obra poética, ficcional e ensaística de Jensen, ronda por vezes, perigosamente, o ideário do fascismo.
Figura de transição entre os anos 30 e 40, Tove Ditlevsen (1918-76) escreveu poesia e prosa de ficção de uma candidez confessional no mínimo sedutora. No poema dela aqui traduzido, a experiência amorosa se afirma como o instante privilegiado de afloramento dos meandros da feminilidade, depois cartografados -"emotion recollected in tranquility"- na lírica de "Espírito de Menina" (1939), "Copenhague" (1945) e "Poemas de Amor" (1949).
Além de poeta e ficcionista, Peter Poulsen (1940) é tradutor de Gottfried Benn, Fernando Pessoa, Mário de Andrade e outros poetas brasileiros; atualmente está às voltas com uma tradução do "Grande Sertão: Veredas". A inflexão ironicamente paródica e alusiva que caracteriza a dicção de Poulsen ressalta na ótica por que ele escolheu focalizar o estereotipado príncipe da Dinamarca em "Se Eu Fosse Hamlet", traduzido de "Digte" (93), volume que lhe reúne a produção poética desde 1966.

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