São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Por que os brasileiros ficaram tão chocados

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao contrário dos homens, a maioria das mulheres americanas gasta mais tempo pensando em dinheiro do que em sexo.
Segundo pesquisa realizada pela revista "Money", 60% mulheres estão a tal ponto inseguras financeiramente que não tiram o dinheiro da cabeça. É um comportamento que afeta apenas 34% dos homens.
A troca da obsessão sexual pela monetária compõe a onda de pessimismo nos EUA, imersos numa crise de confiança; 89% não confiam em seus dirigentes públicos, 64% imaginam que, se forem demitidos, dificilmente vão encontrar trabalho; 45% dizem que o dinheiro da aposentadoria será insuficiente.
Sondagens de opinião têm revelado que a maioria dos americanos imagina que o futuro vai ser amargo para os mais jovens. Ou seja, os filhos e netos viveriam pior do que pais ou avós.
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Apesar desse pessimismo, nunca os EUA estiveram tão bem. Estão livres da ameaça nuclear, acabou a União Soviética, derrotaram tecnologicamente o Japão. Ostentam desprezível de inflação, e o desemprego está baixo.
Nunca o americano teve tanta saúde e viveu tanto tempo. Nunca também gastou tanto dinheiro e tempo com lazer e viagens.
De sociólogos a psicanalistas, todos lançam as mais diferentes teses para explicar como as pessoas se sentem tão mal num país que vai tão bem.
Dizem por aqui -suspeito que tenha boa dose de verdade- que ao enriquecer ou ficar mais poderosas as pessoas tenderiam a ficar menos otimistas.
Quando eram frágeis, pobres e anônimas, moviam-se impulsionadas pelo sonho da conquistas, apostando no futuro. Depois que conquistaram, vivem com medo da perda.
Qualquer que seja a explicação, o fato é que os homens públicos são vítimas da angústia das expectativas crescentes; quanto mais a população tem, maior medo da perda, mais exigente fica.
A comovida e gigantesca reação aos atos de selvageria policial em São Paulo, semana passada, se encaixa nesse tipo de angústia. Será que a indignação ocorreu porque as terríveis imagens foram mostradas pelo Jornal Nacional? Em parte.
Há anos movimentos de direitos humanos tentam comover a população para crimes cometidos por policiais e encontram barreira de indiferença. O que mudou?
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Com a queda da inflação, maior estabilidade política e econômica, a agenda brasileira está mudando velozmente. Incorpora cada vez mais preocupação com educação, saúde e segurança, ganhando espaço nos meios de comunicação, que, por sua vez, reforçam as prioridades e angústias cotidianas.
As cenas de Diadema colocam o país no seu devido lugar, sem a anestesia do real -o lugar de uma nação ainda com enormes manchas de barbárie e subdesenvolvimento social.
Os policiais mostram que não se deve temer só os bandidos, mas também quem é pago pela sociedade para combatê-los. É uma combinação que leva ao máximo a sensação de orfandade.
Aquela gangue fardada, mantida com dinheiro público, canalizou a raiva contida pela percepção diária de desproteção social.
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Os políticos brasileiros -a começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso- ainda vivem a lua-de-mel da queda da inflação e não desconfiam do recado mais sutil provocado pelo caso Diadema.
Não desconfiam da intensidade das tensões que vão vir na busca por melhores indicadores sociais. Uma demanda cuja resposta é, em qualquer lugar, lenta. Vejam as manchas de pobreza que persistem em Nova York, apesar da opulência da cidade.
Quanto mais os brasileiros tiverem dinheiro no bolso, beneficiados pela estabilidade econômica, maiores serão suas expectativas. Mais vão se sentir abandonados pelo poder público, seja nas escolas, hospitais ou delegacias.
A ira detonada pelo caso Diadema é um sinal das reações que vêm por aí diante das mazelas e ineficiências públicas. Suspeito que Fernando Henrique Cardoso, com sua filosofia arrogante do "neobobismo", vai perder a chance de sair feliz da Presidência da República.
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PS - A rede McDonald's está faturando com um dos sinais revelados pelo pessimismo americano. Segundo pesquisas patrocinadas por empresas de publicidade, número de crescente de pessoas, especialmente entre jovens e crianças, acredita que é mais fácil ganhar dinheiro na sorte do que com trabalho.
Ela está ensinando aqui como ganhar dinheiro às custas do loucura dos pais. Oferecem US$ 1 milhão para quem preencher um álbum de figurinhas, adquiridas na compra de cada produto. Virou assunto da cidade: pais reclamam que seus filhos querem tomar café da manhã, almoçar e jantar no McDonald's.
Briguei com um de meus filhos pela insistência de ir tantas vezes à lanchonete e fui obrigado a ouvir a seguinte frase: "Não é você que vive dizendo que a gente tem de se esforçar e ser insistente para ganhar dinheiro?".

Fax: (001-212) 873-1045

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