São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997
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Furto não é pecado, diz pastor anglicano

PAULO HENRIQUE BRAGA
DE LONDRES

O pastor anglicano John Papworth ficou no centro das atenções da mídia britânica nas últimas semanas depois de ter dito em uma reunião comunitária que pode ser crime, mas não é pecado roubar artigos em grandes lojas de departamentos e supermercados.
Depois de declarar que roubar em lojas tem o mesmo peso moral de "apanhar conchas na praia", Papworth, de 75 anos, foi comparado pelos tablóides sensacionalistas do Reino Unido a Robin Hood, personagem que tirava dos ricos para dar aos pobres.
A partir daí, participou de um programa de TV dos EUA, deu entrevistas para duas rádios canadenses e uma australiana e foi citado por jornais do mundo inteiro.
Atualmente, ele diz estar em negociações com uma produtora para a realização de um filme para a televisão sobre a sua vida.
Ganha-pão
Por causa da repercussão da frase, Papworth acabou destituído por seu bispo da função de pároco da igreja de Saint Mark, no bairro de Hamilton Terrace, região central de Londres.
"Eu disse que as grandes lojas, especialmente os supermercados, têm tido o efeito de destruir, roubar o ganha-pão de mais de 70 mil lojas, a maioria negócios familiares", afirmou Papworth à Folha.
"Quando você tira as pequenas lojas da comunidade, tira o brio da comunidade. As pessoas não se relacionam se não fazem compras juntas, se divertem juntas, trabalham juntas", disse.
A principal preocupação de Papworth, na verdade, não são as grandes lojas. Na contramão da globalização, ele tem a impressão de que tudo no mundo está ficando grande demais.
Ameaça à sobrevivência
Militante do Partido do Referendo e formado em economia, ele vê na idéia de uma Europa federal a maior ameaça à sobrevivência das instituições britânicas.
Liderado pelo empresário James Goldsmith, o partido quer que a adoção de políticas da União Européia (UE), principalmente a moeda única, sejam submetidas a um referendo.
"No Reino Unido, estamos vendo a nossa soberania individual e nossa identidade nacional ameaçadas", afirmou.
Papworth vai mais longe e diz acreditar que países "grandes demais", como o Brasil, são inviáveis. "Não importa o que você queira, em quem vote, porque não conta, não tem influência."
Brasil
Ele já esteve no Brasil, visitando a Amazônia, e cita a devastação da floresta como um exemplo de como o estímulo ao aumento de consumo na civilização ocidental ameaça a ecologia.
Ele afirmou que o mais importante para ele, "como pastor", não é a maior lucratividade, eficiência e conveniência possibilitadas pelo progresso econômico, "mas se isso está certo ou errado".
Papworth, pelo menos por enquanto, não pretende tentar colher dividendos políticos da publicidade que obteve.
Ele chegou a se candidatar a uma vaga no Parlamento pelo Partido Trabalhista, em 1957, mas afirma que hoje não tem ambições de voltar a concorrer.
O pastor pretende usar as duas publicações que edita, "O Quarto Mundo" e "O Leão", dirigidas à comunidade local, para conseguir de volta seu posto na igreja.
"Acho que posso provar que a caneta é mais forte que a burocracia da igreja", afirmou.

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