São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 1997
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Cantor e compositor investiga a essência de sua arte no CD

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais que um disco conceitual, que usa a polaridade entre arte e ciência como plataforma de inspiração para boa parte de suas canções, "Quanta" pode ser visto como um painel-síntese da relação de Gilberto Gil com a música.
A aparente homogeneidade do tema liga canções bem diferentes, como a programática "Quanta" (Gil), o samba-enredo "Ciência e Arte" (Cartola e Carlos Cachaça) ou a etérea "A Ciência em Si" (Gil e Arnaldo Antunes).
Ao final das 25 faixas, o que mais chama atenção é a grande variedade de referências -muitas delas remetendo à trajetória musical do compositor, desde a década de 60.
Concebido e realizado ao longo de quase cinco anos, acaba revelando, sob sua embalagem temática, um compositor que investiga a própria essência musical.
"Sei que a arte é irmã da ciência/ Ambas filhas de um Deus fugaz/ Que faz num momento e no mesmo momento desfaz", reflete na canção "Quanta", que abre o CD.
A escolha se completa com a presença de Milton Nascimento. O que poderia representar melhor a essência da música do que a voz sublime de Milton?
Se, em fases anteriores, Gil fazia questão de estar antenado com as novas tendências do pop, fosse o rock dos Beatles, o reggae de Bob Marley ou o r&b de Stevie Wonder, hoje não se mostra tão interessado em modismos.
O costumeiro culto de Gil às novidades tecnológicas soa menos sonoro do que temático: no samba-funk "Pela Internet", ele usa jargões do universo da informática para uma contemporânea paródia do clássico "Pelo Telefone".
Entre várias canções reflexivas e delicadas, revê suas ligações afetivas com o samba, com a bossa nova ou com os ritmos nordestinos.
É o que sugerem tributos como "Um Abraço no João" (samba instrumental dedicado a João Gilberto), "De Ouro e Marfim" (um afoxé-enredo para Tom Jobim) ou "Sala do Som", que toma Milton Nascimento como personagem.
Entre os maiores achados do disco, brilha uma primorosa versão de "Vendedor de Caranguejo". O baião de Gordurinha acabou se transformando em homenagem póstuma a Chico Science.
Outra visita de Gil a seu passado musical passa pelo resgate da tropicalista "Objeto Sim, Objeto Não" -gravada originalmente por Gal Costa, em 1969.
É a irmã quase gêmea da experimental "Objeto Semi-Identificado" (gravada por Gil, na mesma época), que inspirou "Objeto Ainda Menos Identificado".
Impedida de entrar na primeira prensagem do disco por questões autorais, essa faixa marca o reencontro de Gil com o parceiro e poeta Rogério Duarte.
Mais do que discutir relações entre arte e ciência, "Quanta" mostra que Gil continua exercendo com brilho seu ofício de cientista da arte musical.

Disco: Quanta
Artista: Gilberto Gil
Lançamento: Wea
Quanto: R$ 36, em média (CD duplo)

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