São Paulo, sábado, 12 de abril de 1997
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Caso Diadema apressa aprovação de lei antitortura

EUNICE MUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O episódio de Diadema -em que PMs agrediram e mataram moradores da favela Naval- fez o Congresso mexer-se e aprovar a lei que define o crime de tortura. O projeto aprovado tramitava no Congresso desde 1994. Havia também estudos do Ministério da Justiça que tratavam da definição do crime de tortura, mas que nunca foram adiante.
A nova lei passou a vigorar na última terça. Desde então, é crime de tortura constranger ou submeter alguém mediante violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, seja para obter declarações, seja em razão de discriminação racial ou religiosa, ou para aplicar castigo (veja quadro abaixo).
A pena mínima é de dois anos de reclusão. A máxima pode chegar a 21 anos e quatro meses. Se estivesse em vigor há mais tempo, os policiais de Diadema seriam acusados, entre outras coisas, de ter praticado crime de tortura.
"A lei, embora tardia, é bem-vinda. A tortura é crime inafiançável e insuscetível de anistia, previsto na Constituição. O Brasil também ratificou convenção da ONU (Organização das Nações Unidas) contra a tortura. Só faltava a lei para podermos punir os responsáveis pela prática de tortura", diz Luiz Flávio Gomes, juiz da 26ª Vara Criminal de São Paulo.
Sérgio Salomão Shecaira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), partilha a mesma opinião.
"É lamentável ter vindo a reboque da tragédia de Diadema. E a rapidez do Congresso nessas circunstâncias impõe duas perguntas aos parlamentares: se o projeto já estava devidamente discutido, por que não tinha sido aprovado? Se não foi bem discutido, como é que foi aprovado em tão pouco tempo?", critica Shecaira.
A diretoria do IBCCrim reuniu-se na manhã de quinta-feira para analisar a lei e concluiu que ela contém algumas imperfeições. Segundo os diretores do instituto, a nova lei é genérica, pois não diz o que é sofrimento físico e mental.
"Puxar o cabelo com força provoca sofrimento físico ou não? Poderemos ter juízes dizendo que sim e outros dizendo que não", exemplifica Shecaira.
Ele lembra que o anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado no Ministério da Justiça em 1994, enumerava as condutas que caracterizavam a tortura.
Segundo esse trabalho, a tortura mediante sofrimento físico consistia em submeter alguém a golpes, choques elétricos, queimaduras, submersão em água ou qualquer outro meio doloroso.
Na mesma linha, o anteprojeto considerava sofrimento psíquico fazer alguém presenciar simulacro de execução, observar tortura alheia, submetê-la a confinamento, impedi-la de dormir, expô-la continuadamente a ruídos ou luzes intensas etc.
"Se as condutas fossem identificadas pela lei, a tortura ficaria mais bem delimitada, garantindo a aplicação da lei dentro de parâmetros definidos. Do jeito que está, pode causar alguma insegurança jurídica", avalia Shecaira.

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