São Paulo, sábado, 12 de abril de 1997
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Llosa estréia de novo

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Cidade e os Cachorros", lançado em 1962, é o primeiro romance do peruano Mario Vargas Llosa. No Brasil, foi editado pela Nova Fronteira e pelo Círculo do Livro, com o título "Batismo de Fogo" e tradução de Milton Persson.
A edição que está sendo lançada pela Companhia das Letras recupera o título original e traz uma nova tradução, de Sérgio Molina.
Dito isso, vamos ao livro.
"A Cidade e os Cachorros", talvez o melhor romance já escrito por Vargas Llosa, é uma obra vibrante e plural, que se compõe de vários cruzamentos.
No plano do enredo, cruzam-se os destinos individuais de alunos de um colégio militar peruano nos anos 50: Alberto Fernández (o Poeta), Ricardo Aranda (o Escravo) e os "bad boys" do Círculo (Jaguar, Jibóia, Cava, Cachos).
No plano narrativo, há o cruzamento de várias vozes de personagens, que se alternam entre si e com a locução em terceira pessoa, formando um romance literalmente polifônico. Nesse caso, cabe falar também de cruzamento de técnicas literárias, do narrador onipresente ao monólogo interior à maneira de Joyce.
Cruzamento, ainda, de diversos gêneros: do romance de formação ao folhetim, passando pelo realismo psicológico e social de extração flaubertiana.
O mais admirável no livro é que toda essa complexidade, longe de truncar a leitura ou prejudicar o fluxo narrativo, acaba por compor um organismo tentacular que subjuga o leitor por todos os lados.
Vargas Llosa é um hábil contador de histórias -e aqui, também, há uma boa história a contar.
Uma série de tensões entre os personagens desemboca aparentemente num crime: um cadete é morto com um tiro durante um exercício militar. As circunstâncias desse acontecimento nuclear vão sendo desvendadas aos poucos pelo leitor em meio ao cipoal das múltiplas vozes, dos avanços e recuos da narração.
O quebra-cabeças só vai ser completado quando se identificar, próximo ao final, um dos personagens que monologam em primeira pessoa. Essa identificação, por sua vez, fará o leitor rever toda a história, em retrospecto, dando-lhe novos sentidos.
"A Cidade e os Cachorros" é também um exemplo de romance realista em que o ambiente onde se passa a ação é tão importante quanto a própria ação, e em que os personagens têm, praticamente todos, o mesmo peso dramático.
Desamores familiares, iniciações sexuais, atos de coragem e traição, crimes e pecados -tudo o que compõe o turbulento mundo da adolescência surge nesse romance como um amálgama de forças submetido à disciplina da vida militar, à dureza da vida adulta.
Com "A Cidade e os Cachorros", Vargas Llosa inscreveu-se como uma voz inconfundível no "boom" literário latino-americano. Tudo o que fez depois, com crescente sucesso e inegável competência artesanal, pode ser considerado decorrência ou diluição desse romance caudal.

Livro: A Cidade e os Cachorros
Autor: Mario Vargas Llosa
Preço: R$ 29 (408 páginas)

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