São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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O rock tem direito de ser infeliz

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ele tem sucesso. Muito dinheiro. Mora em vários lugares, com destaque para uma casa imensa em Nova Orleans, a cidade do sul dos Estados Unidos onde as festas nunca param de acontecer.
Ele acaba de ser eleito o artista mais importante da face da Terra pela revista americana "Spin". Ainda assim, diz ser muito, muito infeliz. E sua música reflete isso.
Estamos falando de Trent Reznor, 31 anos, líder dos Nine Inch Nails, uma das poucas bandas que nasceu no rock e ainda não perdeu o passo diante do furacão dance que faz trepidar o panorama pop.
Como Mick Jones, do Clash, Reznor parece ser um sujeito sem grandes histórias para contar. Vida pregressa razoavelmente tediosa, nerd de rock, background familiar nada especial...
Mas as letras dele não mostram isso. Falam de cabeças que explodem, pessoas à beira do suicídio. Ofendem tudo e todos, descrevem um mundo autodestrutivo.
Daí, a pergunta: todo astro pop é uma figura "vivida" (perdão pela palavra), que visitou infernos profundos e conseguiu de algum modo emergir de volta à chamada vida normal?
Claro que não.
E é por isso que não fazem sentido livros "reveladores", contando que fulano posa de revoltado mas na verdade é um conformista, ou que tal sujeito se faz de galã roqueiro só que de fato vive como celibatário etc. etc. etc.
Nesta Terra sem fim nem começo, vivemos de emoções emprestadas. Trent Reznor tem todo o direito de não fazer muita noção do que acontece por aí e ainda assim escrever sobre situações-limite.
A vida vaga em um mar de tédio. As pessoas não são como gostaríamos. É como estar quase completando um álbum. Quase todos os saquinhos que compramos só trazem figurinhas repetidas.
E não adianta rogar aos céus por novidades. Como naquela música dos texanos do Reverend Horton Heat, ao erguer a cabeça podemos no máximo ver um neon que pisca: "cerveja, destilados, vinhos".
Que Reznor escreva então sobre o que não viveu e inspire-se nas coisas de que apenas ouviu falar.
Se fôssemos fazer música sobre o que de interessante acontece a nossa volta, estaríamos condenados ao silêncio infinito.
O novo do Nine Inch Nails está sendo gravado e milhões de moleques planeta afora torcem para que lhes mostre algum caminho.
Cometa Hale-Bopp no céu, CD do NIN no som portátil, os alucinados da seita Heaven's Gate sabe-se lá onde.
O mundo anda mesmo muito complicado.

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