São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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A era dos guarda-livros

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Embora com atraso, ficamos sabendo da crise entre o ministro da Educação e o ministro da Fazenda. São pessoas chegadas ao presidente. A crise foi contornada na esfera íntima do poder, nem por isso foi resolvida.
O que me espantou foi o argumento que o ministro da Educação usou para reclamar do colega da Fazenda. Teria dito -segundo as folhas- o que modestamente venho dizendo desde que se inaugurou a era dos guarda-livros na vida nacional: as autoridades do setor econômico-financeiro só se preocupam com a contabilidade, com as duas colunas daqueles livros enormes: "deve" - "haver".
Evidente que os guarda-livros são necessários. Numa quitanda, num botequim, há de haver um mínimo de contabilidade. Num governo, o furo é mais em cima.
O dinheiro pode ser curto e lerdo, embora seja largo e célere na hora de socorrer bancos mal administrados -ou, o que é pior, administrados fraudulentamente. Mas um governo não é um investimento comercial, uma firma cuja finalidade é o lucro. Não sei mais quem disse que governo é uma idéia em ação, e essa idéia não se expressa nem se exprime pelas colunas do "deve" - "haver".
Para chegar a pedir demissão, o ministro da Educação teve suas razões. O que desejava era legal e urgente e não devia ser grande coisa, nada que se comparasse ao rombo (ia dizendo "rambo") dos bancos.
Além da estreiteza na concepção do dinheiro público, deve ter havido a vulgaridade de uma disputa por território político ou lá o que seja nas entranhas do Planalto.
A mentalidade no governo neoliberal é uma resultante dos governos militares, quando foram convocados tecnocratas, que são guarda-livros de luxo. Os militares queriam livrar o país dos comunistas, tudo o mais era lucro.
FHC entrega o governo aos guarda-livros desde que o deixem ficar no poder o maior tempo possível. Se possível, o impossível.

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