São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 1997
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Plano Diretor e sociedade

LUIZ CARLOS COSTA

Muito discretamente anunciada, faz-se hoje em São Paulo uma "consulta popular" sobre um projeto de Plano Diretor elaborado pela prefeitura que, surpreendentemente, não foi divulgado nem debatido. Ainda que se compreenda o empenho de grupos de interesse que orientaram o projeto em vê-lo rapidamente aprovado pela maioria governista da Câmara, é difícil imaginar como essa consulta possa ser feita em condições mínimas de objetividade e democracia.
Professores de planejamento urbano da Universidade de São Paulo já se manifestaram contra a forma tendenciosa e inadequada com que a administração passada pretendia encaminhar o Plano Diretor. Autorizados por esses professores, desejamos lembrar algumas das condições hoje reconhecidas como necessárias ao encaminhamento desse tipo de plano, seja para assegurar sua legitimidade como expressão da vontade coletiva, seja para poder cumprir o papel que lhe é constitucionalmente atribuído, de instituir e instrumentar a Política de Desenvolvimento Urbano a ser adotada num próximo período da história da cidade.
Todos os que vivem nesta cidade sabem que essa política é inadiável, pois não serão com medidas improvisadas, imediatistas e desconexas que faremos face aos dramáticos problemas de nosso cotidiano -congestionamentos, poluição, inundações, desabrigados, violência-, que poderemos pretender para São Paulo uma posição competitiva entre as metrópoles mundiais que disputam, com padrões urbanos civilizados, os capitais e iniciativas da economia globalizada.
Torna-se portanto necessário encarar de frente o desafio de formular democraticamente um Plano Diretor estratégico capaz de polarizar as iniciativas e recursos de toda a sociedade, tornando-a capaz de promover indispensáveis transformações estruturais no processo urbano, o que passa pela construção de um novo padrão de cooperação entre os interesses contraditórios dos diferentes agentes sociais que nele operam.
Mais do que tarefa de uma administração municipal, formular e instituir esse Plano Diretor é, portanto, responsabilidade de toda a coletividade, pois será ela que, nos próximos 15 ou 20 anos, colherá seus frutos e pagará seu preço, tendo ainda de cobrar das sucessivas administrações coerência com as diretrizes e instrumentos aprovados na lei do Plano.
Para colaborar nessa obra, não faltam às organizações da sociedade civil capacidade ou legitimidade, pois há mais de 20 anos propostas concretas de intervenções estratégicas na cidade vêm sendo formuladas, enquanto novas práticas foram desenvolvidas pela população organizada a nível de bairros e coletividades restritas.
O que, sim, cabe ao Executivo local é garantir condições de representatividade e embasamento técnico ao trabalho coletivo de formulação do Plano. Para cumprir essa "missão de Estado" no empreendimento, o governante deve essencialmente garantir a consistência, viabilidade e legitimidade a um conjunto de decisões incomuns definidoras dos novos rumos a imprimir à cidade, no horizonte escolhido de planejamento. São decisões relativas a elementos especiais, tais como:
- Os objetivos que passam a ser impositivos na reorientação do processo urbano, como os relativos aos padrões de qualidade de vida e desempenho econômico e funcional da cidade, que a sociedade arbitrará como absolutamente necessários de serem obtidos para a entrada de São Paulo no século 21.
- Os novos princípios, cuja observância poderá ser reclamada pelos cidadãos, como, por exemplo, os direitos relativos à habitação e serviços urbanos, afirmados na Habitat 2, ou os padrões de desenvolvimento sustentado, fixados na Agenda 21 (Rio 92).
- As diretrizes estratégicas de políticas públicas, confluentes em projetos e programas de importância estrutural, cuja implementação no período planejado deverá ter demonstrada sua necessidade e viabilidade (individual e de conjunto). São exemplos dessas políticas, as de circulação urbana (transportes e vias), de saneamento básico e drenagem, de habitação popular ou de equipamento social (educação, saúde, lazer e cultura).
- Os novos princípios e diretrizes de produção física da cidade, que incentivarão o setor imobiliário e de obras públicas, impondo-lhe, porém, parâmetros, critérios e normas explícitos, pelos quais a urbanização compartida e a privatização de sistemas públicos terão de se provar compatíveis com o interesse público e social.
- Diretrizes de estrutura urbana, expressas em um moderno plano urbanístico, que fundamentem a escolha de parâmetros de uso do solo que sejam comprovadamente compatíveis com a capacidade de suporte dada pelos sistemas de transportes e infra-estrutura definidos no plano.
Além de formular suas propostas sobre os componentes básicos do Plano Diretor, acima exemplificados, a prefeitura deverá obrigar-se a definir prévia e claramente qual o processo pelo qual pretende viabilizar a participação da sociedade civil na sua formulação definitiva.
A seriedade dessa proposta será demonstrada concretamente: primeiro, pelo acesso que for assegurado, a cidadãos e organizações da sociedade civil, aos dados e análises que fundamentam o projeto; segundo, pela programação proposta para o debate, necessariamente compatível com o tempo necessário à análise e à formulação de alternativas por parte da comunidade, e que permitirá às organizações representativas avaliar as chances de sua real participação no empreendimento.

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