São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Sigilo sob ataque

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O ataque que segmentos do Executivo e do Legislativo vêm fazendo ao sigilo bancário e profissional é sustentado com o argumento de sua necessidade para combater o crime organizado, o tráfico de drogas, a corrupção política e assim por diante. Tiveram o apoio do senador Antônio Carlos Magalhães, autor de projeto que amplia a possibilidade da quebra do sigilo sem participação do Judiciário. Examinados tais argumentos sob a ótica do enfrentamento da delinquência, fica claro que eles têm lógica. São bons.
Há, porém, um aspecto para o qual a sociedade deve estar atenta: a inviolabilidade do imperativo constitucional do respeito ao devido processo legal não pode ser rompida. É o que ficou claro com o despacho liminar do ministro Carlos Velloso, vedando, até apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, uma quebra do segredo determinada pela CPI dos Precatórios.
Em meu livro "Segredos Profissionais" (Malheiros Editores, 160 páginas), reconheço que os direitos civil e penal não atribuem valor absoluto às várias espécies de sigilo. Pondero, porém, que as garantias constitucionais relacionadas com a privacidade dos cidadãos só podem ser violadas por exceção. Entre outros, tenho um argumento prático. Nada garante que os cidadãos comuns sejam menos cumpridores de seus deveres que os agentes públicos, encarregados da fiscalização bancária, policial ou tributária. O excesso da intromissão destes permitirá a utilização de segredos pessoais, por servidores desonestos, contra seus titulares, ainda que inocentes, mas temerosos do escândalo da mídia. Será pior que o próprio sigilo. Compreende-se, porém, que o segredo dos agentes públicos não sofra as mesmas restrições. Eles são submetidos à transparência constitucional, enquanto encarregados, pagos pelo povo, da administração de dinheiros e bens públicos.
A submissão da revelação do segredo ao poder do juiz é garantia imprescindível, tanto dos homens comuns quanto dos agentes públicos. Exemplifico com o sigilo bancário. Em meu referido livro, escrevi que a autorização do acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, como elemento de prova, advém de "norma excepcional, a ser interpretada com cuidado".
Destaquei, a respeito, "os graves efeitos que pode produzir sobre o acusado, seja pela possibilidade da injustiça da decisão, seja pelo escândalo público que tem acompanhado tais fatos". Escândalo público, agora acrescento, nem sempre confirmador da verdade de acusações mais apressadas.
Os órgãos do Poder Executivo e a CPI dos Precatórios querem maior amplitude do poder de revelar os segredos hoje preservados por lei. Não é a melhor solução. Atinge toda a cidadania. Pode causar dano irreparável para a vida, a honra, a imagem de pessoas honestas, que constituem a maioria do povo, nesta era da comunicação instantânea. A magistratura, quando a autoridade fornece elementos claros, substanciais, no sentido da conveniência da quebra do sigilo, tem sido ágil no deferimento. Nos exemplos recentes a resposta judicial foi imediata e favorável. Quando as informações das autoridades interessadas na quebra do sigilo não foram justificadas, o juiz exerceu o controle da aplicação da lei, exigindo maiores esclarecimentos ou deferindo o pedido com restrições. Como disse Sepúlveda Pertence, trata-se de um modo de limitar a ditadura da maioria.
O combate à criminalidade é realidade da qual ninguém se afasta e merece apoio integral, com todas as possibilidades abertas pela lei. Mas não a ponto de transformar a cidadania em objeto de suspeição. Não, com certeza, para facilitar a ação dos que queiram tirar proveito indevido, com abuso de autoridade, sacrificando os cidadãos, ante o enfraquecimento de sua defesa.

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