São Paulo, sábado, 19 de abril de 1997
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Allen Ginsberg morreu, o mundo é uma jaula!

FERNANDO ZARIF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aaaaúúúú..., Allen Ginsberg morreu. Se o fim do mundo não for uma metáfora, socorro!
Se for, a humanidade está com os dias contados, e o tempo teve suas asinhas de fora cortadas. O mundo é uma jaula!
A vida é privada, a morte é uma m... (terra em alemão), você aperta a descarga, e o terceiro olho enxerga. A rigor, Allen saiu à francesa pelo ladrão como um santo de terno e gravata. Mas, como Allen saiu de fininho, hoje há menos coisas entre o céu e a Terra do que ontem, e o nosso horizonte ficou mais estreito.
O trópico de Câncer venceu de novo, e o de Capricórnio ficou de bode, em catarse. A realidade nos "sanduicha" a idéia com o pão que o diabo amassou, em letra minúsculas, até que as entrelinhas tortas desse Deus reto que defeca informação sobre nossas cabeças, e filosofias teçam em fibra ótica a teia nupcial da sua própria Viúva Negra num carcinoma rápido como a "Morte que é a mãe do universo! -Vista sua nudez para sempre e flores brancas nos cabelos...".
Ofélia no rio, a placenta de Maya e o hímen mariano imaculado. Ah! Mortalha branca. Ah! Bomba da paz. Eu quero o feriado. Cansei do dia santo, eu quero é shabbath.
Nietzsche avisou que Deus subiu no telhado, ninguém ouviu. Wagner se arrependeu do dito crepúsculo em Parsifal com um beijo budista e revelador. Hitler não foi um bom pintor.
Burroughs definia a linguagem como um vírus alienígena, Ginsberg (judeu, bicha, junkie, beatnik, comunista, poeta etc.) só não era preto, amarelo, vermelho, pois todos sabemos que ninguém é perfeito, mas, como diria Cruz e Souza, de ressaca para Machado, Allen não era um alien, era o vírus d'além mar, o alienista da tranquilidade, o homem que morreu de terno e gravata.
Hoje, há menos coisas entre o céu e a Terra do que ontem, e o horizonte ficou mais fininho. Abaixo, o Olimpo, Everest, Aconcágua, Kilimanjaro.
Lá se foi meu Dioniso morar no monte Gins, onde os djins (Jeannie é um djin) são gênios e não meros deuses bastardos.
E agora, quem é que vai comandar o "bateau ivre"?
Ahab, Gepeto, Jonas, Colombo, Noé, Caronte, Simbad, Rimbaud...?
Duvido.
Canto meu corpo elétrico em choque. Não tenho lágrimas, mas tenho lábios que me recompensam com palavras para te dar graças. Oh! Allen Ginsberg, iídiche mame dos poetas.
"Oh mãe/ O que eu deixei de fora/ Oh mãe/ O que eu esqueci/ Oh mãe/ Adeus/ Com um longo sapato preto/ Adeus/ Com Partido Comunista e o pé de meia desfiado/ Adeus/ Com os seis pêlos escuros do quisto em seu seio/ Adeus/ Com seu velho vestido e a barba longa e negra em volta da vagina/ Adeus/ Com sua barriga flácida/ Com seu medo de Hitler/ Com sua boca de estórias mal contadas/ Com seus dedos de mandolins podres/ Com seus braços gordos como varandas/ Com sua barriga inflada roncando/ Com seu queixo de Trótski e da Guerra Espanhola/ Com sua voz cantando a decadência dos trabalhadores exaustos..."
O excerto acima, tradução libérrima, não representa a Grande Obra desse Alien Três Vezes Grande. Mas como bom alquimista que, estou certo, era, só me resta dizer: "Vai, Allen Ginsberg, cumprir teu carma de Greta Garbo!".
P.S.: Aaaaaúúúúúúúúú........

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