São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997
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Fim do milênio traz Titanic de volta

PAULO HENRIQUE BRAGA
DE LONDRES

Mais de 85 anos depois de ter afundado, o Titanic volta a ocupar espaço na mídia e a despertar atenção e curiosidade de especialistas e aficionados em todo o mundo.
Hollywood está produzindo um filme sobre o desastre, dirigido por James Cameron, que já estourou o orçamento de US$ 200 milhões e pode se tornar o mais caro da história.
Um novo musical sobre a tragédia também está sendo preparado em Nova York, e uma exposição itinerante com artigos resgatados no local do naufrágio será inaugurada em setembro nos EUA.
Para o autor do mais recente trabalho literário sobre o naufrágio, o "revival" tem a ver com o final do século. "Em qualquer final de século, em especial agora, com a virada do milênio, temos essa sensibilidade meio apocalíptica", disse à Folha o historiador Steven Biel.
Ele escreveu "Abaixo a Velha Canoa - Uma História Cultural do Desastre do Titanic". Biel foi professor de redação em Harvard e hoje leciona história americana na Universidade Brandeis, em Massachusetts.
O historiador acredita que o nosso século não produziu nenhuma outra tragédia tão rica em histórias de interesse humano.
"No caso da Challenger, por exemplo, a coisa explodiu instantaneamente, não houve histórias de interesse humano para contar. Não dá para imaginar alguém recriando o desastre da Challenger ou do vôo 800 da TWA, ou qualquer desastre moderno, nos quais as coisas acontecem instantaneamente."
Tecnologia
Seu livro fala das várias interpretações que a tragédia acabou tendo na sociedade norte-americana do início do século.
A principal delas, segundo ele, presente até hoje, é a sugestão de que "a nossa própria tecnologia e os erros baseados nela vão nos levar a uma situação de desastre".
Biel, porém, rejeita a idéia de que a tragédia do Titanic tenha mudado o mundo, tenha sido o divisor de águas entre "os velhos tempos e o mundo de incertezas que viria a seguir".
No livro, ele diz, com certa dose de ironia, que a única consequência concreta do naufrágio foi a adoção de novas regras de segurança para navios.
O Titanic operava acima dos padrões exigidos por lei, mas mesmo assim não carregava botes salva-vidas suficientes para todos os passageiros e tripulantes.
Não é por isso, porém, que o desastre perde importância do ponto de vista simbólico.
Biel descreve como o naufrágio teve diferentes significados para os diversos setores da sociedade.
A ação dos homens que aceitaram serenamente a morte para dar lugar nos botes para mulheres e crianças, por exemplo, fez renascer o conceito de bravura e cavalheirismo.
Bravura e covardia
"Uma das lições do Titanic é a do comportamento, a relação entre heroísmo e covardia", afirma Biel.
Ao mesmo tempo, o fato foi usado por opositores do direito ao voto feminino para dizer que as coisas deveriam ficar como estavam.
Bravura e covardia também serviram, segundo o autor, para reforçar as diferenças de classe. Há relatos de que muitos passageiros da terceira classe foram impedidos a tiros de tomar o lugar de mulheres nos botes salva-vidas.
Outros que foram apontados como vilões do naufrágio, protagonistas do pânico e de tentativas desesperadas de entrar nos botes, foram imigrantes que chegavam ao país para trabalhar e negros. Não é coincidência que isso tenha ocorrido numa época em que o país vivia um aumento de seus conflitos raciais e trabalhistas.
O pânico era visto como uma "condição social", não como resultado de os passageiros da terceira classe terem sido os últimos a serem informados da proximidade do naufrágio, tendo de achar sozinhos um caminho para o convés dentro do labirinto do navio.
Por outro lado, houve aqueles que viram no desastre uma prova de que os que optaram por um estilo de vida ostentatório tiveram, no fim, o castigo merecido.

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