São Paulo, segunda-feira, 21 de abril de 1997
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Heineken acaba com zulu, nordestinos e reggae

EDSON FRANCO
DA REPORTAGEM LOCAL

A associação de música e dança marcou a última noite do Heineken Concerts, anteontem, em São Paulo. Johnny Clegg & Savuka, Mestre Ambrósio e Cidade Negra forneceram a trilha sonora e mostraram como se mexer em três idiomas musicais distintos.
Eles tocaram e dançaram música zulu, ritmos nordestinos e reggae. Exceto pelo show do Cidade Negra, a dança aconteceu muito mais dentro do palco do que fora dele.
Clegg, principal atração e responsável pelo último show da noite, sofreu com problemas alheios a sua performance.
A produção do evento superdimensionou a platéia e retirou as mesas e cadeiras do Palace. Os intervalos entre os shows se estenderam muito além do tolerável.
Resultado: quando Clegg entrou, o que restou de público (menos da metade dos que pagaram ingresso) estava à beira do nocaute.
Uma pena. Quem passou pelo teste de resistência viu o músico -que nasceu na Inglaterra, mas vive na África do Sul- fechar um ciclo na carreira e dar uma aula de genealogia musical.
Abrindo o show com sua produção recente, Clegg mostrou que está europeizado, legando o papel de coadjuvante à música zulu.
Por volta da metade do show, ele revisitou o repertório do álbum "Heat, Dust & Dreams", de 1993, época em que a gangorra musical de Clegg estava equilibrada. Músicas como "Tough Enough" e "The Crossing" extraíram as palmas mais calorosas.
Convidado especial, o cantor e guitarrista Sipho Mchunu -que tocou com Clegg na banda Juluka, entre 72 e 85- se juntou ao dono da noite para uma dançante sessão de aeróbica zulu.
Depois, com sua voz tosca e seu dedilhado ao violão, escancarou o lado negro da música de Clegg. De quebra, mostrou os ancestrais do bluegrass (variante da country music), do blues e do reggae.
Mais preocupada em cultivar raízes do que torná-las híbridas, a banda pernambucana Mestre Ambrósio abriu a noite com um desfile de xotes, maracatus e baiões.
Com quatro percussionistas, um baixo e uma rabeca (espécie rudimentar de violino), o grupo abusou da repetição de pequenas células melódicas e do direito de ser rústico. Para dar uma idéia, os próprios vocalistas se definem como "gritadores".
O show decolou quando a banda resolveu fundir o regionalismo com texturas de apelo universal.
Em uma música, eles misturaram ritmos indígenas com as batidas da dança de roda conhecida como coco. O resultado revela o que teria acontecido caso o guitarrista mexicano Santana tivesse vivido no interior pernambucano.
No fim, veio o melhor. Com canto acelerado, onomatopéico e ritmado, eles mostraram o "rapente", mistura de rap com o repente.
Reggae
Recheando o sanduíche da noite, o grupo Cidade Negra mostrou que é eficiente em fazer aquilo que se propõe: tocar reggae. Nem mais, nem menos.
Mas, baseado no show, dá para esperar muito mais do grupo. Consideravelmente mais melodiosos que a média das bandas do gênero, eles devem explorar e criar mais nuances nos arranjos.
Havia dez músicos no palco. Por vezes, os dois guitarristas e os dois tecladistas faziam exatamente a mesma coisa: realçavam o tempo fraco dos compassos (característica que dá suingue ao reggae).
Apenas um deles poderia ter dado conta desse recado, enquanto os demais poderiam estar dando novas cores às melodias e ao indestrutível alicerce que baixista e baterista da banda constroem.

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