São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 1997
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Duplo teto

LUÍS PAULO ROSENBERG

Receita garantida de sucesso de público: agredir o Congresso Nacional. Após décadas legislando em causa própria, refugando debater as verdadeiras prioridades nacionais e passando pelo corredor polonês da imprensa, os parlamentares não desfrutam mais da confiança da sociedade.
Apesar desses antecedentes, o emocionalismo que vem cercando o debate pode produzir uma grande injustiça para com os defensores de uma medida absolutamente sensata: a criação do chamado duplo teto de aposentadoria para deputados e senadores.
O argumento em prol da crucificação dos parlamentares que defendem a medida parece irrefutável: enquanto todos os funcionários públicos terão um limite de aproximadamente US$ 10 mil, há uma casta de diferenciados que poderá receber o dobro, na qual se incluiriam nossos representantes, em mais uma escandalosa manifestação de legislar segundo o princípio "primeiro os teus, Mateus!"
Biblicamente, pois, vamos a uma parábola para jogar luz no debate, procurando identificar quem é o grande beneficiário da medida.
Chamemos de Henrique e Inácio dois patriotas contemporâneos.
Henrique, nascido em berço de ouro, cursou as melhores escolas, tem PhD em Finanças nos Estados Unidos. Aposentou-se como professor da Pontifícia Universidade Católica, na qual ensinava as virtudes da economia de mercado aos seus alunos, dedicando-se atualmente à consultoria de negócios.
Milionário, aceitou ser candidato a deputado federal pelo PFL, para defender o liberalismo. Se eleito, continuará recebendo sua aposentadoria paga pela Previdência mais os proventos de deputado federal, já que a proibição de acumular proventos com aposentadoria não se aplica a quem se aposentou no setor privado.
Inácio, nascido de pais miseráveis, estudou em escolas públicas e chegou ao doutorado em Ciências Políticas na universidade federal, da qual tornou-se professor só Deus sabe depois de quantos sacrifícios.
Aposentou-se como professor da universidade federal, na qual ensinava aos alunos as injustiças que o livre funcionamento da economia de mercado produziria, dedicando-se atualmente a algumas consultorias que lhe garantem o equilíbrio do orçamento de aposentado.
Quando soube que não poderia receber os proventos de deputado federal, porque os acumularia com sua aposentadoria de funcionário público, teve de recusar o convite do PT para concorrer a uma vaga na Câmara, que lhe teria dado a tribuna relevante para fazer valer seus conhecimentos profundos de como evitar os males das práticas selvagens do capitalismo.
É disso que estamos tratando: como o cargo de parlamentar é diferente de qualquer cargo do Executivo, permitir que um aposentado público receba a remuneração de parlamentar, caso eleito, é defender o privilégio do povo de colocar no Congresso quem quer que seja. Sem que a escolha seja limitada aos que podem prescindir daquela remuneração e aos que se aposentaram pelo setor privado.
O duplo teto é, portanto, essencial ao funcionamento da democracia. Redução sadia de gasto público se faz, por exemplo, eliminando os 50 mil demissíveis a que se referiu FHC em recente ameaça ao Congresso.

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