São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 1997
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Para Pelé, 40% dos clubes vão fechar

MARCELO DAMATO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O ministro dos Esportes, Edson Arantes do Nascimento, vai incluir no seu projeto de lei o fim do passe no futebol, do bingo e do futebol não empresarial.
Pelé aponta os dirigentes dos clubes como os maiores culpados pela atual situação dos clubes, que ele classifica de falência.
Segundo a opinião do ministro, o projeto de lei, que deveria ter sido apresentado em março e deve sê-lo em maio, terá na CBF um de seus maiores opositores.
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Folha - Como está o futebol brasileiro hoje?
Pelé - O país é tetracampeão, temos os melhores jogadores, mas financeiramente, a situação é muito ruim. Poucas equipes têm hoje receitas que cubram suas despesas.
Folha - Disso já se fala há muito tempo. A situação está melhorando ou piorando?
Pelé - Piorando. Um exemplo disso é a situação do Rio. Não é só o Fluminense. O futebol do Rio nunca esteve tão mal. E não é só tecnicamente.
Folha - De quando vem essa situação?
Pelé - O problema é muito antigo. Depois da Copa de 70, eu disse que o futebol brasileiro estava acabando. Ninguém acreditou. Hoje, todos vêem que os clubes estão falidos, e os jogadores sofrem com isso. Não se pode apenas levar em conta quem está no topo.
Folha - Como se pode mudar essa situação?
Pelé - É preciso administrar melhor. Por exemplo, a Federação Paulista tem mostrado esforço. A tabela sai antes e muda muito pouco. Mas não é suficiente. Também é preciso fazer uma nova lei. Vou mandar um projeto nesse sentido.
Folha - No Paraná, os dirigentes apontam também uma causa macroeconômica. Dizem que o futebol tornou-se tão caro que não há dinheiro capaz de manter todos os clubes. O sr. concorda?
Pelé - Sim. Em quase todas as capitais européias, existem no máximo dois clubes de futebol profissional. E elas são muito mais ricas do que as daqui. O Rio deveria ter no máximo três times grandes. A economia daquela cidade não tem como suportar mais.
Folha - Quantos clubes "cabem" no Brasil?
Pelé - É difícil precisar, mas no mínimo 40% dos clubes brasileiros vão acabar por desaparecer. Eles não são profissionais de fato. Não vão resistir às mudanças.
Folha - Quanto essas mudanças podem fazer crescer o futebol?
Pelé - Muito. Estamos começando a pensar no futebol como produto. Só agora é que as empresas, as televisões estão aumentando seus investimentos. O Brasil está muito atrasado.
Folha - Mas para a maioria do futebol, esse dinheiro nunca chega. Há centenas de jogadores sem salário e com passe preso a um clube. Como corrigir essa situação?
Pelé - Só por intermédio da nova lei. É um dos motivos dela. Se o atleta não serve para o clube, então que ele não o impeça de jogar em outro, de arrumar trabalho.
Folha - Quais os pontos-chave desse projeto?
Pelé - Administrar o futebol como empresa, acabar com o passe dos jogadores e com os bingos e separar a legislação do futebol da dos demais esportes. Também vamos corrigir as falhas da Lei Zico e da minha resolução.
Folha - Por que separar?
Pelé - O Nuzman (Carlos Arthur, presidente do COB) e presidentes de outras confederações dizem que o futebol merece lei especial por ser forte demais. Ele pode atender a exigências que outros não podem. Mas o vôlei e o basquete não voltarão a ser amadores.
Folha - Por que o sr. defende que os clubes virem empresas?
Pelé - Os dirigentes precisam ser responsabilizados pelo que fazem. Hoje, um dirigente arrebenta um clube, vai embora e não acontece nada. Quando jogava no Cosmos de Nova York, o presidente do clube, Clive Toy, foi demitido porque gastou demais em contratações e estourou o orçamento.
Folha - Mas o sr. acha que isso vai dar certo? O Ricardo Teixeira, presidente da CBF, desafia abertamente a resolução do passe e não é punido. Por quê?
Pelé - Um dos problemas dessa resolução é que nela não está prevista punição para quem a desobedecer. Isso vai mudar na lei.
Folha - Como o sr. vê Teixeira?
Pelé - Ele é o maior opositor desse meu projeto para o futebol. Ele até anunciou que iria montar um escritório de lobby em Brasília para contestar a resolução.
Folha - A resolução também tem contradições. Por exemplo, ao mesmo tempo que concede passe livre a quem já tem 30 anos, mantêm em vigor até o fim do ano resolução federal que só concebe passe livre aos 32. O que vale?
Pelé - Os 30 anos. Essa é outra falha da resolução, que vai ser corrigida pela nova lei.
Folha - O que podem fazer os jogadores contra as federações e clubes que negam dar-lhes o passe, de acordo com a resolução?
Pelé - Eles podem recorrer ao Ministério dos Esportes. Sem uma reclamação oficial, não posso tomar nenhuma atitude.
Folha - Uma pergunta pessoal. Se não existisse passe na época em que o sr. jogava no Santos, o sr. teria trocado de clube?
Pelé - Não.
Folha - Nunca teve vontade de sair?
Pelé - Não, pelo contrário. Eu vou te contar uma coisa. Não devia, mas é para mostrar como são os dirigentes. Logo após a Copa da Suécia (1958), o Santos tinha vendido uns quatro jogadores. E, aí, o Giovanni Agnelli, dono da Fiat, ofereceu ao Santos US$ 2 milhões para eu ir para a Juventus. Se não me engano, o Modesto Roma era o presidente. Ele veio a mim e disse: "Vai Pelé. Você vai arrumar sua vida" (sorri). Eu recusei, disse que estava no começo de carreira. Quatro anos depois, com o Brasil e o Santos bi, vieram de novo. Ofereceram US$ 3,5 milhões. Acertaram até com meu empresário, sem eu saber. Um diretor chegou a dizer: "Você já perdeu uma chance. Não perca essa". Recusei de novo. E não me arrependo.
Folha - Hoje é diferente?
Pelé - É o oposto. São os jogadores que querem sair. Também, há 30 anos, havia mais revelação de jogadores. Quem saía não fazia falta, pouca gente se lembrava deles. Hoje, se não chamar os que estão fora, não tem seleção.
Folha - Além do projeto de lei, quais são suas outras prioridades neste ano para o futebol?
Pelé - Quero ir atrás do dinheiro das taxas de transferências que as confederações cobram. Pela Lei Zico, esse dinheiro é para o Fundesp (Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Esporte) investir no esporte. Meus assessores estimam que o ministério tem a receber entre R$ 3 milhões e R$ 3,5 milhões.

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