São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 1997
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Piano famoso sofre na mão de brasileiro

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Imaginem alguém que, desastrado, esbarre a ponta do cigarro aceso numa pintura de Portinari, ou derrube uma árvore em cima de um Rolls Royce estacionado.
Guardadas as proporções, é mais ou menos o que aconteceu recentemente, em São Paulo, com dois pianos da marca Steinway.
O primeiro deles é um instrumento histórico. Pertenceu a partir de 1942 ao pianista Vladimir Horowitz (1904-1989). Na noite de 1º de abril de 1995, a tampa e o teclado saíram altamente chamuscados por fogos de artifício, acionados pelos produtores de um concerto produzido para funcionários do banco Bamerindus.
A matriz da Steinway, nos Estados Unidos, promovia, por razões de marketing, uma turnê mundial do instrumento, que chegou a ser utilizado por Arnaldo Cohen num recital da TV Cultura.
Quando do episódio, a pianista Marina Brandão acabava de executar "Rhapsody in Blues", de Gershwin. Ela diz ter chorado ao se deparar com o instrumento cheirando a madeira queimada e coberto por uma camada de espuma dos extintores de incêndio.
O então produtor do espetáculo, Gustavo Loureiro, disse à Folha ter ocorrido uma imprudência por parte da empresa que subcontratou para os fogos.
"Alguns dias antes, os fogos até que funcionaram bem num show de Roberto Carlos", afirmou.
O segundo incidente atingiu um instrumento mais recente, comprado para o Teatro Municipal e que, ainda em 1995, sucumbiu a uma "barbeiragem de manobra".
O pé da cauda se encaixou em uma tomada situada no chão do palco. Os técnicos não perceberam, empurraram o piano com mais força, e o pé se partiu. Não foi durante um espetáculo, mas em um domingo, 24 de março. O teatro estava vazio.
O instrumento fora comprado (US$ 80 mil) pelos Patronos do Teatro Municipal -grupo de mecenas que co-produz espetáculos e supre pequenas necessidades materiais do teatro. O Steinway é ainda hoje, entre os cinco existentes no Municipal, o preferido dos concertistas.
Digamos, com certa condescendência, que os dois pianos tenham sido vítimas de fatalidades. Aliás, fatalidades caras. O pé quebrado custou US$ 594,20, e a restauração pelas fagulhas, US$ 4.500.
Bem mais cara (US$ 12 mil) foi a restauração de outro Steinway, em cuja cravelha um misterioso sabotador despejou meio litro de óleo lubrificante quando, em 1993, o instrumento era transportado do Rio para São Paulo. O inquérito policial permanece inconclusivo.
O problema é que não há no Brasil tantos instrumentos raros ou de altíssima qualidade. Um dos pianos que pertenceu a Richard Wagner (1813-1883), com cordas em número dobrado para a ampliação de seu volume, estaria ainda hoje na sede de uma antiga fazenda paulista de café.
O maestro Souza Lima possuía uma cadeirinha na qual, para tocar piano, se acomodara ninguém menos que Franz Liszt (1811-1886).
O pequeno móvel, de madeira entalhada negra e assento de palhinha, não tem sua origem documentada. Hoje pertence a um ex-aluno do maestro, de São Paulo, que o comprou depois que o professor morreu, em 1982.
No Museu Histórico e Geográfico do Rio há um Pleyel de armário que pertenceu ao conde d'Eu, marido da princesa Isabel. O inventário -oficioso- de instrumentos raros e cobiçados não se esgota por aí (ver textos abaixo).
A aristocracia brasileira do Império era culturalmente bem informada. Inevitável que possuísse bons pianos. A tradição prosseguiu quando os "barões do café" foram sucedidos pela primeira geração de grandes empresários.
Não há uma estimativa sobre quantos Steinway existam no Brasil, diz Sérgio di Simoni, atual representante desta marca.

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