São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997
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O avanço dos sem-terra

LUÍS NASSIF

A marcha dos sem-terra a Brasília é um fato político significativo com implicações relevantes sobre o futuro, não sobre o presente. É importante entender a natureza dos processos políticos e as características do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para melhor avaliar o significado da marcha e do encontro de suas lideranças com o presidente da República.
A bandeira do MST não é econômica, é política. Nela, a reforma agrária não é o objetivo final, mas um meio para o movimento se consolidar politicamente.
Sua principal bandeira é a utopia do assentamento de milhões de pessoas -que, mesmo com toda a boa vontade política, não seria factível em nenhuma parte do mundo.
Se a utopia é sua principal bandeira, como pretender que suas lideranças aceitem a proposta do governo de compartilhar das agruras e limitações do mundo real? Em pouco tempo, haveria um MST do B mordendo seus calcanhares.
Sua intenção tampouco é resolver tecnicamente a questão da reforma agrária. Seu objetivo é criar um partido político, composto, hoje em dia, pelos sem-terra e, amanhã, pelos assentados que continuarão ligados ao movimento e pela esquerda que vier a reboque.
Avanço político
Onde a importância da marcha da semana passada?
Há dois avanços significativos. O primeiro, de ordem política.
Em ambientes politicamente fechados ou excludentes, minorias sem voz costumam reagir de duas maneiras: ou abandonando o barco (Alemanha Oriental, ou as grandes massas que abandonaram a América Latina nas últimas décadas) ou partindo para a luta revolucionária, como no México.
Até alguns meses atrás, o MST era um movimento de extração revolucionária. Pretendia tomar o poder pela força. Após a marcha, é um movimento político que fala em liderar a oposição, incluindo em suas propostas bandeiras que nada têm a ver com a terra, como o combate à privatização da Vale.
Se vai conseguir liderar ou não são outros quinhentos. O que importa é que houve um avanço significativo, que repete, em escala mais rápida, o que ocorreu com o movimento dos metalúrgicos do ABC. É o primeiro passo do MST no caminho da sua institucionalização. E demonstra que a moderna democracia brasileira -na qual a mídia desempenha papel relevante- conseguiu criar mecanismos eficientes de incorporação das minorias organizadas ao processo político.
O segundo avanço é de ordem social. O presidente da República tem razão em afirmar que há limitações financeiras à rápida ampliação dos assentamentos.
Mas, se o MST não ficar atrás, atazanando diuturnamente a vida do governo, outras prioridades virão se sobrepor à maior, de incorporar os excluídos.
Há quem se encante com o suposto romantismo do movimento. E os que se irritam com o fato de ele não pretender compartilhar soluções ou de insuflar pessoas indefesas a enfrentar a truculência das milícias estaduais, a fim de reforçar (com o sangue das bases) suas bandeiras.
A política é menos romântica do que pretendem os primeiros e mais fria e calculista do que supõem os segundos.
Como resultado imediato, espera-se apenas que governo e lideranças do MST pensem duas vezes antes de gerar novas vítimas inocentes nesses confrontos com a polícia -os primeiros, controlando seus policiais; os segundos, abrindo mão de cadáveres como bandeira política.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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