São Paulo, sábado, 26 de abril de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
'Manual' nos ensina a ser mais estúpidos
FERNANDO DE BARROS E SILVA
A pergunta vem a propósito do mais recente espasmo místico do nosso maior fenômeno editorial: "Manual do Guerreiro da Luz", que reúne algumas das colunetas que cometeu e publicou na Folha, sob a rubrica "Maktub", entre 93 e 96. O que dizer deste lançamento? Vamos por partes. Primeiro: Paulo Coelho não é um escritor, nem mesmo um escritor ruim. Inútil chamar o que faz de subliteratura. Seria um elogio. Sua proximidade é com Edir Macedo, não com Sidney Sheldon. Talvez não seja exagerado, a propósito, pensar em Macedo como uma mistura de Coelho e Lair Ribeiro, aquele que ganha dinheiro ensinando os outros a amá-lo. Do primeiro, o bispo tem o caramelo místico; do segundo, a maneira despudorada de louvar o papel-moeda. O fato de que Paulo Coelho use a palavra escrita para despejar sobre a legião de fãs sua salada esotérica dá a ele certo status. Publicar um livro, não importa quantas asneiras contenha, vale mais do que lotar o Maracanã num culto de fanáticos. A diferença é menor do que se imagina. Uns pagam o dízimo em estádios de futebol; outros, no caixa da livraria Siciliano. Dito isso, vamos ao livro, propriamente. Não há novidades. O segredo, como sempre, está apenas em enfileirar platitudes de modo que o leitor possa ler aquilo que melhor lhe convém. Como no "I Ching", trata-se de "iluminar" caminhos, de "sugerir" verdades a partir de metáforas vagas, de frases tão enevoadas e cercadas de fumaça metafísica que são capazes de dizer tudo exatamente porque não dizem nada de nada. O livro de Coelho provoca, assim, um efeito paradoxal sobre o leitor, cuja atitude diante do que lê é ao mesmo tempo relativista e totalitária. Como pode ver tudo, ele vê o que quer; uma vez agarrado à sua verdade, não há como demovê-lo da idéia de que está diante de uma revelação superior, inabalável. Estabelece-se uma verdadeira "ditadura do eu" no momento em que, no limite, não há mais indivíduo para exercê-la. Nessa fórmula bem-sucedida, cabem todos os clichês: descrição ecológica e idílica da natureza, alusões a lutas intermináveis entre o bem e o mal, pinceladas de culpa e redenção cristãs -tudo costurado por uma linguagem plana, tosca, que parece obra de criança de oito anos e tem como alvo pessoas com idade mental da mesma faixa etária. A cada leitura de Paulo Coelho, mesmo tomando cuidado e atenção, fica-se mais estúpido e pior do que se era antes. Profeta por profeta, Rhalah Rikota, invenção do cartunista Angeli, é mais honesto. Numa de suas aparições, quando se esperava dele que anunciasse mais uma vez o fim do mundo, pegou prosaicamente seu megafone e começou a gritar: "Pamonhas, pamonhas, pamonhas! Pamonhas de Piracicaba...". Livro: Manual do Guerreiro da Luz Lançamento: Editora Objetiva Preço: R$ 13,80 (156 págs.) Texto Anterior: Cineasta tem direito sobre quatro obras Próximo Texto: Romance conta doce vida nos subúrbios de Paris nos anos 50 Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |