São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Saída militar fortalece rivais no Peru

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

A opção pelo uso da força para pôr fim à crise dos reféns em Lima fortaleceu dois pólos antagônicos do governo Alberto Fujimori: os militares e a principal "eminência parda" do país, Vladimiro Montesinos Torres.
O comando militar peruano nunca escondeu sua "prontidão" para "qualquer eventualidade" durante os 126 dias em que a residência do embaixador japonês no Peru ficou sob poder de 14 guerrilheiros do MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru).
Como havia 40 japoneses na mira dos fuzis, Fujimori tinha de atender aos apelos de negociação do governo do primeiro-ministro do Japão, Ryutaro Hashimoto, que sempre se mostrou favorável a uma solução pacífica para a crise. Ao menos tecnicamente, ela se desenrolava em território japonês -a casa do diplomata tem esse status.
Opção sedutora
Mas o tempo correu contra a solução diplomática. A radicalização de posições de ambos os lados levou ao impasse e ao fim das conversas. "Aí, a opção militar, que sempre seduziu Fujimori, ficou justificável", diz o analista de assuntos militares Carlos Ruíz, da organização não-governamental Centro Peruano.
Aí entra a influência de Montesinos, amigo pessoal do presidente.
Há três semanas, quando os preparativos da operação militar começaram, esse assessor especial do SIN (Serviço de Inteligência Nacional) aconselhou o presidente a assumir total controle da ação.
Assim, resgatados 71 dos 72 reféns, Fujimori começou a posar de estrategista militar. E ao mesmo tempo dar crédito ao pessoal de Montesinos, como, por exemplo, quando afirmou que "havia muita engenharia" na operação.
Por "muita engenharia" leia-se a extensa rede de túneis planejada pelo SIN para tomar de assalto a residência japonesa.
Ironia
O sucesso para ambos os lados, o militar e o de Montesinos, levou a uma situação insólita.
Na última quarta, o assessor especial e o presidente do Comando Conjunto das Forças Armadas, o general da reserva Nicolás Hermoza Ríos, vistoriaram juntos a residência desocupada na véspera pelos militares, com saldo de 14 guerrilheiros, 1 refém e 2 oficiais mortos.
O sinal trocado assustou a imprensa peruana. "Os jornais deram a notícia, só que não sabiam o que dizer. Mesmo o mais oficialista dos diários sabe que ambos não se suportam", disse Ruíz.
Além da competição pela influência no Palácio de Governo, há alguns fatores históricos para explicar a rivalidade.
Na década de 70, o jovem oficial Montesinos foi expulso do Exército do Peru, acusado de vender o "inventário" das Forças Armadas para Washington.
Naquela época, o Peru era o país latino-americano que mais comprava armas soviéticas (à exceção clássica de Cuba). Ainda hoje, é o único grande cliente da Rússia no continente -acaba de adquirir um esquadrão dos modernos caças-bombardeiros MiG-29.
Operação-abafa
Mas a publicidade pró-Montesinos tem outro sentido.
Crescia, nas últimas semanas, um movimento na Corte Suprema do Peru para convocar o assessor para depor sobre acusações de tráfico de influência.
Parlamentares da situação ameaçavam se unir à oposição para pedir a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Montesinos. Avalia-se que o Exército teria alimentado essa intenção.
O assessor especial não fala sobre as acusações. Já foi citado em dois processos sobre narcotráfico, mas nunca foi envolvido. Advogado, defendeu traficantes.
"Resta agora a Fujimori, com os 67% de apoio que tem depois da operação, saber o que fazer com seus cães de guarda", conclui o analista Ruíz.
Antes da ação, Fujimori amargava os piores índices de popularidade de seu governo, iniciado em 1990 e "sedimentado" com a reeleição de 1995. A ação de terça-feira mostrou que rapidamente Fujimori está de novo em condições de retomar o controle da situação.

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