São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Que juventude é essa ?

JONI ANDERSON, ADRIANA VIEIRA, ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA, GABRIELA MICHELOTTI, LAVÍNIA FÁVERO; VAGNER MAGALHÃES
DA SUÍÇA À PRISÃO

Se para a grande maioria o uso da droga é apenas "recreativo" (leia texto à pág. 16), um combustível para aventuras equivalente ao álcool, essa transgressão pode levar também ao vício e à prisão.
A modelo Carola Andreolli Louro se encaixa no grupo dos adolescentes que, segundo o juiz Novély Reis, recebeu "tudo do bom e do melhor". Nascida em Ribeirão Preto, estudou por um ano em um colégio na Suíça e morou em São Paulo, em um apartamento de cobertura em Higienópolis, enquanto trabalhava como modelo.
Na última terça-feira, ela comemorou seu aniversário de 19 anos na Cadeia Pública Feminina de Altinópolis (370 km de SP), onde aguarda julgamento sob acusação de tráfico de drogas e formação de quadrilha.
A "viagem" da Suíça a Altinópolis levou oito anos. Sua primeira experiência com drogas aconteceu quando ela tinha apenas 11 anos e fumou maconha com um namorado.
A cocaína veio depois. "Cheirava um grama a cada hora. Enquanto havia dinheiro para comprar, não parava", lembra-se, na cadeia. Quando foi presa, em dezembro do ano passado, carregava 36 papelotes de cocaína. "Nunca trafiquei drogas. O que caía na minha mão eu cheirava", afirma.
A modelo se considera uma garota "precoce e rebelde" e tem lembranças de uma infância considerada "linda".
Filha de um pediatra e de uma farmacêutica, a modelo diz que os pais fizeram de tudo para que ela deixasse o vício. "Fiquei internada por nove meses em uma clínica de Atibaia e fugi de uma outra em Brasília."
Ela se lembra da revolta dos pais quando foi presa. "Mesmo assim, eles nunca me deixaram na mão." Carola tem esperança de não ser condenada, sair e fazer um curso de direito.
"Vendo o sistema carcerário por dentro, dá para perceber que isso aqui não reeduca ninguém", diz.
Sexo, drogas e rock
Seguindo a famosa trilogia, depois de drogas, sexo é o segundo assunto proibido com os pais. Quem conta, omite parte das histórias. A justificativa é a mesma usada para as drogas: eles não entenderiam.
Cabelos raspados com máquina 1, vários brincos na orelha, jeito de rebelde, a universitária Andréa, 22, conta "meias verdades".
Os pais não se importam que ela durma com o namorado, nem que guarde camisinhas ou pílula na gaveta da cômoda. Mesmo assim, Andréa "subtrai" alguns namorados. "O que custa a entrar na cabeça deles é essa história de a gente estar namorando numa semana, não estar na outra e, na próxima, estar transando com uma pessoa diferente. Afinal, eles não são da geração da camisinha."
Andréa já escondeu um namorado casado e outro que o pai não "foi com a cara". "É ruim não poder revelar em casa quem eu realmente sou. Mas prefiro manter a minha individualidade, mentindo, do que me chocando com eles a cada coisa que faço. Só falo o que sei que eles vão aprovar. Meu pai tem 60 anos, não posso abusar do coração dele", diz.
Cláudia, 20, é o que poderia se chamar de filha modelo. Já fez metade do curso de direito da PUC, estava noiva até fevereiro e considera a mãe "uma amiga". Mas, como Andréa, ela dá uns descontos no número de namorados. "Na geração da minha mãe, as mulheres, se transavam, eram com o noivo. Seria muito difícil para ela aceitar que a gente vai a uma festa, conhece um cara, dá e, no outro dia, não quer mais nem ver", diz.
As mais novas sofrem com o bisbilhotar das mães. Quatro meninas entrevistadas pela Revista disseram já terem flagrado as mães lendo sua agendas.
"Ela mexe e sabe que eu sei que ela mexe. Escrevo em código porque é o único jeito de ela não entender", diz Mariana, 15, que ganhou dessa mesma mãe camisinhas de presente, apesar de ainda ser virgem.
Iara, 13, que namora escondido um garoto dois anos mais velho, já foi repreendida pela mãe por ler a agenda da irmã. Outro dia, pegou a mãe lendo o seu diário. "Ela me disse que aquilo não era falta de educação porque, afinal, ela é a minha mãe", conta.
Falar sobre sexo com os pais não é problema só para as meninas. Boné, calça jeans e tênis, Tiago, 13, diz que vai para a aula de educação física, mas escapa para a casa da namorada, que tem a mesma idade dele. Ele faz isso para "poder ficar junto e fazer de tudo". Tudo o quê? "Ah, tudo que dá para fazer", desconversa.
Os coisas estranhas
Além de bebidas e sexo, as aventuras teens frequentemente resvalam no perigo. Movidos por um ímpeto suicida ou pela ilusão de que a morte ainda está longe para quem tem 15 anos, eles promovem rachas, fazem roletas russas de carro (passar direto no sinal vermelho em cruzamentos perigosos) e se envolvem em brigas com armas -sempre escondidos dos pais.
Nesses casos, a "turma" é fundamental. É ela que protege e, ao mesmo tempo, incentiva a violência. "A balada em grupo é melhor, não tem risco. Não saímos para brigar, mas já bati, apanhei, chutei muita gente. Me preocupo porque sei que, de repente, podemos matar alguém", diz Pedro, 16.
Em casa, Pedro diz que "dialoga muito, é compreensivo e carinhoso". Na rua, fuma maconha todos os dias e dá "uns rolês sem rumo".
O adolescente Beto -aquele que mora em Interlagos, mas vai "zoar" em Pinheiros- diz que a vez em que sentiu mais medo foi em uma briga na discoteca Sound Factory (Pinheiros). "Juntaram oito caras em cima de mim. Pensei que eles não iam parar de bater. Não quebraram, mas conseguiram abrir um buraco no meu cotovelo e outro na minha canela", conta.
Muitas vezes, a violência é motivada pelo preconceito -como no caso de Brasília, em que os jovens achavam estar atacando "um mendigo". Os skatistas da gangue "Dirty Family" têm 14 anos em média, estudam no colégio estadual Caetano de Campos (região central) e se reúnem, nos finais de semana, na praça Roosevelt para treinar manobras radicais.
Costumam "encher a cara" de 51 e Martini. Brigam com todo mundo que é diferente. Nos patinadores, eles passam o pé. Os "coisas estranhas" -entenda-se os clubbers que frequentam a danceteria Nation, que fica na praça-, eles xingam e "perseguem, dando porrada". Odeiam mesmo os gays. "Sou louco para pegar um bicha e fazer como no filme 'Kids'", diz Dadi, 15, referindo-se à cena em que um grupo de garotos espanca um transeunte. "Essa história de homem beijando homem e mulher com mulher é muito estranho", completa.
Apesar de intolerantes com os homossexuais, eles se consideram vítimas de preconceito. Apanham da polícia, porque "PM acha que skatista é marginal".
Faça o que eu faço
Mas como estabelecer um diálogo com o "dark side" -para usar uma expressão do filme "Guerra nas Estrelas"- do filho adolescente? Os especialistas não batem mais apenas na tecla do "é preciso conversar, conversar, conversar...".
Eles defendem que os filhos apreendem mais das ações dos pais do que das lições de moral. Em linhas gerais, reafirmam a velha tese de que não adianta nada o "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
Nos EUA, a discussão pedagógica mais importante do momento é justamente sobre como criar uma criança com valores éticos -com "inteligência moral", na definição do psiquiatra da Universidade de Harvard Robert Coles (leia texto na pág. 15).
Coles defende que "qualquer lição dada abstratamente a uma criança não adianta muito". Ele conta que uma vez seu filho de 9 anos tinha machucado a mão e estava sangrando muito. Coles o levou ao hospital e, por ser médico, conhecia alguns colegas, que poderiam passá-lo na frente dos outros pacientes. "Meu filho não disse nada, mas eu senti que ele estava me julgando. Decidi esperar a minha vez na fila", conta.
No Brasil, o discurso é muito parecido. A educadora Monique Deheinzelin, 44, diz que os jovens não aceitam regras éticas impostas. "Eles não aceitam o que não vêem na prática e não querem mais ser receptáculos de verdades já estabelecidas", diz.
Além de agir "corretamente", os pedagogos, mesmo os mais liberais, defendem que é necessário impor limites. "Para lidar com jovens, é preciso primeiro ter clareza do seu papel de adulto. O adolescente, quando procura o pai ou professor, não quer um coleguinha, porque ele já tem vários. Ele procura um adulto de fato, até para poder brigar. Ele quer alguém que exponha os limites com clareza", diz Edaival Mulatti, 47, coordenador do 2º grau da Escola Vera Cruz.
Isso significa que o papel de "mãe-amiga" ou "pai-companheiro" não basta. Os especialistas recomendam uma fórmula delicada em que se misturam compreensão e supervisão, na qual os pais possam exercer a autoridade, sem perder a confiança do filho.
Os próprios adolescentes encaram essa turbulência atual como uma fase. "Uma hora ou outra viro adulto, assumo responsabilidades. Enquanto isso, aproveito ao máximo", diz Pedro.
O desafio é ajudá-los a atravessar essa fase sem que eles se tornem prisioneiros em casa ou presidiários na cadeia, como pode acontecer aos garotos de Brasília.

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