São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997
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Cartilagem nada milagrosa

IZABELA MOI

Procurada para curar os mais diversos males, cápsula de cartilagem de tubarão virou mania
"Doutor, eu queria tomar aquelas pílulas do Athayde Patrese." As cápsulas de cartilagem de tubarão estão vendendo como nunca. Com campanha na televisão e sistemas de telemarketing, as cápsulas estão na moda. Quem compra por telefone, ouve da atendente que o produto "é indicado por orientação médica para quem sofre de artrite, artrose, osteoporose, diabetes ou ações inflamatórias".
A farmacêutica Luana Kulesza, da Drogamérica, explica que "a cartilagem de tubarão contém altos teores de cálcio (21,84%) e fósforo (9,79%), resultados da calcificação da cartilagem". Ela acha, no entanto, que o sucesso desse produto está na sua promoção. "As cápsulas de cartilagem de tubarão formam um composto de minerais comum em outros produtos. Não são os médicos que estão indicando. São os pacientes que estão querendo tomá-las."
O projeto de fabricação para produção nacional foi encaminhado pelo professor José Wilson Alencar, livre-docente em Química Orgânica e aposentado pela Universidade Federal do Ceará. Em 1993, um amigo de Alencar sofria com a fase terminal de um câncer de próstata. Na época, o professor já sabia da existência dessas cápsulas e resolveu colocar a mão na massa para atender o amigo. Segundo Alencar, com as cápsulas, seu amigo se sentiu melhor. Entretanto, é o próprio professor que adverte: "A cartilagem de tubarão não é um medicamento. Em todo o mundo, ela é considerada apenas um complemento nutricional".
Segundo Alencar, estudiosos americanos encontraram também uma substância chamada sulfato de condroitina, de funções analgésicas e antiinflamatórias, que tem sido usada para facilitar a regeneração de articulações calcificadas.
A dona-de-casa Lourdes Assis Viaggi, 54, seguiu o conselho de suas amigas e começou a tomar uma cápsula de 750mg ao dia. "Eu estava com dores nas juntas e não gosto de tomar remédios. Estou tomando há 70 dias e estou me sentindo bem".
A fisiatra Pérola Grinberg Plapler, responsável pelo Grupo de Reabilitação da Osteoporose do Hospital das Clínicas, não indica mas também não impede seus pacientes de tomarem. "Alguns pacientes dizem melhorar das dores, outros não. Não faz mal, mas também não se provou ainda que faça bem."
No caso da osteoporose, doença que causa o enfraquecimento progressivo dos ossos e facilita a ocorrência de fraturas, a ingestão do mineral não basta. É necessário promover a fixação do cálcio no organismo.
Para a endocrinologista Cláudia Vasconcelos, a procura dessas cápsulas por pacientes diabéticos não tem nenhuma razão de ser. "A venda desse produto faz parte de uma divulgação leiga aliada a um marketing bem-feito."
As cápsulas de cartilagem de tubarão, cuja embalagem com 50 custa cerca de R$ 20, contam com um mercado potencial enorme. No caso da osteoporose, médicos brasileiros estimam que até o ano 2000, serão 4,8 milhões de mulheres sofrendo dessa doença.

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