São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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'Brasil', um nome celta que habitava o imaginário medieval

PEDRO PAULO A. FUNARI

Desde o primário, temos sido acostumados à idéia que o nome do Brasil deriva do pau-brasil, e é comum, nos dicionários, encontrar a origem da palavra em "brasa", alusão à cor avermelhada da tintura dessa madeira.
Essa confusão começou há muito tempo, pouco depois do início da colonização.
Um planisfério, conhecido como Kunstmann 4º e datado de 1519, apresenta a inscrição latina com a mais antiga referência à suposta derivação de Brasil de pau-brasil: "Hanc terram magis austreliorem brasilli a ligno quod ab ea copiosa defertur muncupatam" (essa terra mais ao sul é chamada Brasil por causa do pau que é dali retirado em grande quantidade).
Essa explicação passou a ser repetida, sendo aceita, por exemplo, por Anchieta (1584), e popularizou-se de forma generalizada.
No entanto, Gustavo Barroso e Pedro Calmon, na década de 1930, alertavam que Brasil não derivava de "brasa". E hoje temos bons indícios sobre as origens primeiras do nome popular "Brasil", que acabou por superar a designação oficial de "Terra de Santa Cruz".
De fato, nos mapas medievais, o mundo conhecido aparecia rodeado de ilhas reais ou imaginárias. Uma delas, a ilha Brasil, aparece primeiramente situada em um mapa de 1324, a oeste da Irlanda, localização repetida em diversos planisférios posteriores.
As mais antigas grafias -como "Ho Brasile", "O'Brasil", "Hy Brasil"- demonstram se tratar de um nome celta, grupo de línguas da Irlanda e do País de Gales.
O sentido seria "Terra dos Bem-Afortunados", "Ilha da Felicidade" ou "Terra Prometida", já que a raiz "bres", em irlandês, significa "nobre, sortudo, feliz, encantado". Esse nome conviria bem a uma ilha imaginária a oeste do mundo conhecido, na mentalidade medieval.
Os portugueses, no século 14, produziram diversos mapas com a ilha Brasil situada mais ao sul, na frente da península Ibérica e dos Açores. Perto da cidade de Angra há um pico cujo nome, "Brasil", deve provir dessa lenda.
O pau-brasil deriva seu nome, em plena Idade Média, da ilha Brasil da cartografia medieval, sendo, portanto, anterior à chegada a nossa costa em 1500.
A confusão entre o nome da madeira e do país foi reforçada pelo uso de "brasileiro" para designar o habitante do país, termo que, de início, designava o comerciante de pau-brasil, à semelhança de "baleeiro" e "negreiro", comerciantes de baleia e de escravos.
Nos primeiros anos de exportação de pau-brasil, registros lusos referem-se à madeira como "verniz" ou "pau-vermelho", tradução do indígena "ibirapitanga".
Nos relatos mais antigos e por muitos anos, à medida que o nome oficial do país era "Terra de Santa Cruz", "brasil" designava só a madeira, embora o mais antigo exemplo desse uso seja ambíguo, "Presilholtz", em documento alemão de 1514, designando carga de "madeira do Brasil".
Embora descartada a origem do nome Brasil de "brasa", seria a madeira da ilha Brasil a dar o nome ao país ou seria a identificação da nova terra a dar nome ao pau?
Não sabemos, mas não é difícil imaginar que o nome oficial "Terra de Santa Cruz" tivesse sido, desde o início e por parte dos homens comuns, preterido em favor de Brasil, nome de uma ilha que habitava o imaginário medieval.

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