São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 1997
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Exposição flagra o viajante dom Pedro 2º

FEDERICO MENGOZZI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um viajante privilegiado, que esteve no Cairo quando se lançava a moderna egiptologia, na Filadélfia quando Bell exibia ao mundo o telefone, em Pompéia quando ocorriam escavações arqueológicas.
Dom Pedro 2º era um homem de vanguarda que acompanhava a produção artística e literária -mecenas reconhecido, correspondia-se com gente como Manzoni e Hugo-, interessava-se pelo avanço da ciência -convidou Pasteur a se estabelecer aqui- e da tecnologia -o Brasil foi o terceiro país sul-americano a ter ferrovia.
Homem à frente de seu tempo, dom Pedro 2º não se intimidava com as restrições de então -antes, inspirava-se em personagens como Livingstone e Burton- e correu infatigavelmente o Brasil e o exterior, como é possível ver na mostra "A Coleção do Imperador", na Pinacoteca do Estado.
Em meados do século 19, o melhor que um cidadão brasileiro tinha a fazer era mesmo viajar ao redor de seu quarto, como sugeria Xavier de Maistre em "Viagem à Roda do Meu Quarto".
As estradas, quando havia, eram precárias, e o máximo que se podia contar era com uma diligência.
Os balões eram usados experimentalmente, os trens eram novidade, e Santos Dumont demoraria a nascer, quanto mais a dar os primeiros passos na conquista do ar.
Uma viagem de navio entre a Europa e o Brasil durava meses -Tereza Cristina, princesa das Duas Sicílias e noiva de dom Pedro 2º, demorou 80 dias para chegar ao Rio. O melhor era mesmo "viajar" nos livros de Júlio Verne.
Curiosidade
D. Pedro 2º, que nasceu e estudou no Brasil, teve missão árdua.
Poderia ter se tornado um monarca caipira, não fosse a curiosidade intelectual e a condição financeira, bem menos imperial do que se poderia esperar.
Ao contrário dos hábitos republicanos em vigor, quando qualquer vereador julga ter o direito de viajar às custas do dinheiro público, o imperador pagava suas viagens e, banido em 1889, recusou subvenção do novo regime.
Morreu pobre, num hotel parisiense de segunda classe, diz Lídia Resouchet em "Exílio e Morte do Imperador", como o estudante que nunca deixou de ser -estudava sânscrito na véspera da agonia.
Em 1871, depois de um período de revoltas internas e guerras externas, o Brasil estava em paz, e o imperador realizava a primeira das quatro viagens ao exterior -após diversas pelo interior.
Tinha 45 anos, reinava havia 30 e dava vazão a uma vontade reprimida. Enfim poderia ver a terra de seus ancestrais, visitar a capital do mundo, Paris, e conhecer as pessoas a quem escrevia.
Deixou a filha Isabel como regente, viajou a Lisboa a bordo do Douro e ficou fora por quase um ano, de 25 de maio de 1871 a 30 de março de 1872.
Percorreu Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália e Egito, revelando-se um viajante incansável. "'Sua Majestade Itinerante', era como o chamavam", lembra Heitor Lyra em "História de Dom Pedro 2º".
Bem a seu feitio, de extrema modéstia e simplicidade -chegava a carregar as malas-, insistia que sua viagem tinha caráter particular e furtava-se às honras oficiais.
Em Lisboa, depois de alguns dias em isolamento devido à febre amarela que grassava no Brasil, demonstrou a vontade de ver tudo.
Começou por visitar o túmulo de dom Pedro 1º, seu pai; depois, foi ver a madrasta, Amélia de Leuchtemberg, circulou pelas ruas da cidade, encontrou-se com Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco, conheceu irmãos naturais, interessou-se pelos costumes populares, revirou bibliotecas, conventos, igrejas e museus.
Em Londres, visitou uma sinagoga e traduziu a Bíblia do hebraico; em Marselha, sentou-se entre os alunos na aula de grego de um liceu; em Coimbra, compareceu com sua roupa batida de viajante a uma cerimônia na universidade.
Um mundo em transformação
Retornou ao Brasil, passou pela chamada Questão Religiosa, inaugurou o telégrafo submarino entre o Brasil e a Europa, teve alegrias, dissabores e voltou a viajar.
A segunda viagem ocorreu cinco anos depois da primeira e teve como pretexto a Exposição Universal da Filadélfia, por ocasião dos cem anos da independência dos EUA.
O monarca embarcou no Hevelius -a bordo, uma cadeira cedeu a seu peso e se falou, com graça, na queda do trono brasileiro- em 26 de março de 1876, retornando em 26 de setembro de 1877.
Como da primeira vez, histórias de quem queria ver tudo e, se possível, não ser visto. Era a primeira vez que um rei pisava em Nova York, conquistando os cidadãos que se espantavam com o monarca que chegava ao hotel carregando a maleta e saía às ruas quando a comitiva ainda dormia.
Ao lado do presidente Grant, abriu a Exposição Universal; chocou-se com a poligamia em Salt Lake City -"em Constantinopla, nunca vi um harém...", escreveu à filha Isabel-; admirou o estilo de vida local e desprezou o culto ao dinheiro; encantou-se com Boston e decepcionou-se com Nova Orleans; disse a Bell que, assim que colocasse o telefone no mercado, o Brasil seria o primeiro cliente.
Depois de EUA e Canadá, um périplo por quase toda a Europa, mais o Oriente Médio e o Egito.
Dez anos depois, outra viagem -Portugal, França, Alemanha, Bélgica e Itália-, com partida no Gironde a 30 de junho de 1887 e volta em 22 de agosto de 1888.
Dom Pedro 2º já não exibia o vigor de antes, mas seguia a mesma rotina, indo a entidades culturais, bibliotecas, museus e teatros, conversando com Pasteur e Dumas Filho, tratando da saúde.
Em maio de 1888, enquanto convalescia de uma pleurite em Milão, a princesa Isabel assinava no Rio a Lei Áurea, abolindo a escravatura.
Privilegiado, teve cicerones como o egiptólogo Mariette, o diplomata e escritor conde de Gobineau e o arqueólogo Schliemann.
Gobineau, que era seu amigo, disse com alguma decepção que o imperador "queria ver tudo, de preferência a ver qualquer coisa".
Ao acompanhar as transformações do mundo, foi, possivelmente, não só o primeiro monarca a falar pelo telefone como o primeiro a tirar fotografia, como muitas entre as 25 mil que deixou para a Biblioteca Nacional e, quem sabe, algumas que estão na mostra.
A quarta e última viagem? Foi a pior. Dom Pedro 2º embarcou com o exílio, a 17 de novembro de 1889, morreu dois anos depois, foi sepultado em Lisboa. Seus despojos só voltaram ao Brasil em 1920, com a anulação do decreto de banimento. O monarca viajante jaz na catedral de Petrópolis.

"A Coleção do Imperador" - Mostra de 209 fotos doadas por dom Pedro 2º à Biblioteca Nacional. Até 25 de maio, de terça a domingo, das 10h às 18h, na Pinacoteca do Estado (avenida Tiradentes, 141, tel. 011/227-6329). Entrada franca

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