São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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Cidadania e a doação de órgãos

MÁRIO ABBUD FILHO

A nova lei que torna todos os cidadãos brasileiros doadores de órgãos para transplantes ainda causa grande polêmica. A imprensa dedicou grande espaço para discussão do assunto, numa saudável demonstração de liberdade de expressão e exercício de cidadania.
A polêmica serviu para a sociedade debater e se informar sobre a situação dos milhares de brasileiros que aguardam um transplante para sobreviver ou melhorar a qualidade de suas vidas. Entretanto serviu também para confundir.
Como justificar a paradoxal posição dos transplantadores brasileiros, profissionais que vivem e lutam continuamente pelo aumento do número e da qualidade dos transplantes, contrários à lei?
Por experiência, sabemos que a solução desse problema não se prende à mudança da lei, mas à criação de estrutura específica, que possa não só aumentar o número de órgãos disponíveis para transplantes, mas também capacitar hospitais públicos para acolher os pacientes e oferecer tratamento adequado após o transplante.
Os deputados e senadores empenharam-se na aprovação da lei visando a simpatia popular.
O ministro da Saúde e o presidente, que afirmaram ter ouvido "autoridades competentes", optaram pelo típico gesto áulico, fácil e demagógico de sancionar uma lei simpática aos olhos do povo.
Milhares de pacientes que padecem as penas impostas por doenças que requerem transplante apoiaram a lei, apegando-se a ela como última esperança. Não foram suficientemente informados de que se tratava de um barco de falsas expectativas, que dificilmente aportará em terra firme.
E a imprensa, por fim, tropeçou na sua ânsia de noticiar. Esqueceu-se de esmiuçar um pouco mais os tortuosos corredores do poder que conduzem à verdadeira solução para o problema dos transplantes no Brasil.
Permitiu com isso que opiniões absurdas e esdrúxulas, suposições infundadas e inferências descabidas fossem manifestadas, não por cidadãos no exercício de suas cidadanias, o que é justo e deve ser respeitado, mas por pessoas amparadas indevidamente por seus títulos profissionais. O eminente médico não transplantador, o empresário competente, o filósofo professor ou o articulista de renomado jornal merecem ter suas opiniões destacadas diferentemente daquelas do cidadão comum, sendo que todos assemelham-se na falta de intimidade com o assunto?
É inadmissível confundir o nosso direito de opinar como cidadãos e esquecer as implicações sociais e os deveres éticos e morais inerentes às profissões da saúde.

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