São Paulo, terça-feira, 29 de abril de 1997
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O diálogo sobre a Vale

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

O debate das últimas semanas tem mobilizado a muitos e ajudado a esclarecer várias questões referentes à proposta de privatização da Vale do Rio Doce. No entanto, é importante, para o bem do país, que o diálogo entre posições diferentes continue e se amplie, não só para o exercício da democracia, mas para uma solução adequada no caso dessa empresa de que o Brasil tem razão de se orgulhar.
Apresento algumas reflexões, com todo respeito aos interlocutores e vontade de servir.
1) A declaração aprovada pela CNBB, em Itaici, a 16 de abril de 1997, solicitava à Presidência da República a suspensão do leilão da Vale do Rio Doce em vista de um "discernimento democrático" e indicava algumas exigências éticas: a prévia discussão no Congresso, com participação da sociedade organizada e, em especial, dos cientistas nacionais, a informação exata e completa sobre os dados em análise e o tempo suficiente para o discernimento.
As ponderações feitas em diversas ocasiões, por membros categorizados do governo, concordam quanto a essas exigências éticas e situam a discussão não no nível dos princípios -que aceitam-, mas na verificação concreta das condições elencadas.
Em outras palavras, os representantes da posição governamental sustentam que as condições foram cumpridas. Com efeito, em várias oportunidades, manifestaram que a privatização da CVRD foi discutida e aprovada pelo Congresso, que foram consultados os meios científicos competentes, com larga difusão dos dados e tempo adequado para o debate.
Respeitando a posição das autoridades que propõem a privatização, desejo, no entanto, chamar a atenção sobre os numerosos pronunciamentos e petições junto ao Judiciário, contrários à privatização da CVRD, incluindo entidades de representatividade nacional, que revelam de modo explícito o anseio de um discernimento mais abrangente.
Parece-nos que o governo só poderá lucrar com o exercício do diálogo sereno e objetivo, que deva conduzir, após a deliberação sobre os argumentos, a um consenso nacional.
2) A segunda consideração refere-se à retificação de algumas afirmações.
Não é razoável, ao tratar do potencial estratégico da CVRD, reduzi-lo apenas à atividade de "extração e venda do minério de ferro". É sabido que a abrangência da Vale, em suas 53 empresas, é maior, abarcando não só a extração, mas a pesquisa científica e o beneficiamento, com tecnologia nacional, de vários tipos de minério que repercute na agricultura e outros setores.
Além disso, muitos debatedores recordam a importância do conjunto de empresas da Vale, como instrumento que garante para o Brasil, na geopolítica do mundo globalizado, a posição privilegiada que não convém perder.
Argumenta-se ainda que o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) deverá ser fortalecido, para melhor exercer sua função de orientar a política reguladora e fiscalizadora do Estado. Isso confirma a necessidade de atuação direta do Estado e requer regras e leis definidas, que antecedam o processo de privatização na área mineral.
3) Quanto ao debate sobre o tamanho e função do Estado, constatamos no cenário político atual o confronto entre posições estudadas em razões consistentes.
É preciso aprofundá-las mais antes de qualquer decisão no processo de privatização, não só quanto à CVRD, mas nas outras áreas, em especial, no universo da comunicação.
4) Estamos todos de acordo quanto à urgência de um esforço crescente a fim de assegurar medidas para maior assentamento dos sem-terra, aumento de empregos, política habitacional, ampliação dos serviços de saúde e qualidade da educação. Deve-se reconhecer as difíceis condições que o governo herdou de períodos precedentes. Isso reforça a necessidade de intensificar a cooperação de todos, de modo a garantir, a curto prazo, melhores condições de vida para a população de baixa ou nula renda. Essa deve ser a meta prioritária do desenvolvimento nacional.
Nesse contexto, a venda da Vale é apresentada, pela proposta governamental, como financiadora de mais iniciativas em bem do povo, pela aplicação das verbas a serem obtidas com a venda. Não seria razoável, no entanto, desfazer-se de uma companhia que contribui atualmente não só com a renda crescente de sua produção, mas com o potencial estratégico que alavanca o desenvolvimento, muito além da mera utilização dos recursos resultantes do leilão.
O diálogo sobre a Vale, na medida em que se amplia, oferece a governantes e membros da sociedade organizada a oportunidade concreta para o exercício da cidadania que todos desejamos promover, numa atitude de estima recíproca e comum patriotismo.

D. Luciano Mendes de Almeida, 66, é arcebispo de Mariana (MG).

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