São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Um mínimo de vergonha

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Entra em vigor hoje o novo valor do salário mínimo. Pelo segundo ano consecutivo, o governo decidiu reajustá-lo em percentual inferior à inflação ocorrida. Em maio do ano passado, o mínimo foi aumentado em 12%, abaixo da inflação de cerca de 20% registrada entre maio de 1995 e maio de 1996.
Neste ano, o aumento decretado, de 7%, ficou abaixo da inflação de 8% a 9% acumulada desde o último reajuste, em maio de 1996.
Abandonou-se, portanto, a política de recomposição real do salário mínimo, iniciada com o reajuste mais generoso, de 43%, concedido em maio de 1995. Não se percebe, assim, como o presidente irá cumprir a sua promessa de campanha, ainda não oficialmente renegada, de dobrar o valor do mínimo até o final do seu mandato.
A menos que se pretenda "reinterpretá-la", explicando que o candidato se referia, na verdade, ao salário nominal. Essa talvez seja a linha que o governo pretende seguir. No pronunciamento de sexta-feira passada, quando anunciou o novo mínimo de R$ 120, o ministro da Fazenda destacou que esse valor é, em termos nominais, 85% maior do que o que vigorava na entrada do Plano Real.
Não há dúvida. Entretanto, como diria o Conselheiro Acácio, o que interessa é o poder de compra do salário. E qual o índice de preços relevante para deflacionar o salário nominal? Certamente, não é o IGP da Fundação Getúlio Vargas, utilizado pelo ministro do Trabalho para justificar o aumento concedido.
A razão é que esse índice da FGV é dominado por preços no atacado, que, graças à estabilização cambial, têm aumentado relativamente pouco desde o início do Plano Real, bem menos do que os índices de preços ao consumidor -esses, sim, relevantes para avaliar a evolução do poder de compra dos salários.
A inflação acumulada, desde junho de 1994 até março de 1997, foi de 113%, quando medida pelo Índice de Preços ao Consumidor da FGV, e de 99%, quando medida pelo índice da Fipe. O aumento do custo de vida foi, portanto, bastante superior aos já referidos 85% de aumento do salário mínimo nominal.
Admitindo-se que a taxa de inflação em abril e maio fique por volta de 0,7% a 0,8% ao mês, pode-se estimar que o salário mínimo de maio fique, em termos reais, cerca de 14% (pelo IPC-FGV) ou 8% (pelo IPC-Fipe) abaixo do registrado em junho de 1994, imediatamente antes da introdução da nova moeda, na época em que o candidato Fernando Henrique Cardoso assumiu o compromisso de, se eleito fosse, dobrá-lo ao longo do seu mandato.
O governo tem apresentado argumentos para tentar explicar a modéstia do reajuste. O ministro do Trabalho, por exemplo, apressou-se a divulgar dados sobre o impacto do salário mínimo nas finanças públicas. "Cada ponto percentual de reajuste do mínimo aumenta os gastos públicos em R$ 600 milhões. Isso na União, nos Estados e municípios, Previdência, seguro-desemprego", declarou, em entrevista publicada na Folha de domingo passado.
Vejam o contraste com a entrevista de um dos diretores do Banco Central, publicada pela Folha no dia seguinte. A entrevista era sobre o programa de socorro aos bancos conhecido como Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), em vigor desde fins de 1995.
A uma certa altura, o repórter pergunta: "Qual o impacto do Proer nas contas públicas?"
Eis a resposta da autoridade monetária: "Ainda não sabemos. O Depec (departamento econômico do Banco Central) ainda está fazendo projeções e cálculos".
Sem comentários.
Um lembrete final: a Constituição do Brasil, no seu artigo 7º, inciso 4º, ainda não revogado pela sanha reformista do governo, estabelece como um dos direitos dos trabalhadores a existência de um salário mínimo "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social". E especifica ainda: "com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo".

E-mail: pnbjr@ibm.net

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