São Paulo, quinta-feira, 1 de maio de 1997
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Depeche Mode investe na própria decadência

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

"Ultra", 12º disco da banda inglesa Depeche Mode, chega ao Brasil em lançamento quase simultâneo com o resto do planeta, e traz consigo boa notícia.
A Paradoxx passa a distribuir no Brasil os lançamentos da Mute (antes meio maltratados pela WEA), que tem em seu catálogo, entre outros, Nick Cave (de quem está lançando "The Boatman's Call"), Moby, Einstürzende Neubauten, Jon Spencer Blues Explosion e Inspiral Carpets.
As notícias não são tão agradáveis quando se trata do CD do Depeche Mode em si.
Claro, alguém teria que continuar o trabalho sujo de propagar o rock messiânico, que a banda irlandesa U2 abandonou pela metade agora que flerta com a modernidade tecno.
O que seria mais difícil de prever é que a tarefa ficaria a cargo o Depeche Mode, um dos responsáveis pela criação do rock-dance de sintetizador dos anos 80 e, até onde se poderia prever, provável entusiasta do tecno nestes 90.
Pois é. "Ultra" é uma guinada retroativa da história da banda de (atualmente) Martin Gore, David Gahan e Andrew Fletcher.
Enquanto o U2 se volta a batidas mais contemporâneas, o Depeche forra seu 12º disco de baladões climáticos como só o U2 de antes saberia fazer -nesse caso estão "Freestate" e "Insight", entre outras.
Quando não é assim, o Depeche continua a confirmar decadência em dois momentos distintos.
Ora faz o ouvinte dar um passeio pelos velhos anos 80, num pastiche de tudo que lá havia: a voz onisciente (e caricata) de Bono Vox, a voz onisciente de Morrissey e seus Smiths, Alphaville e seu "Big in Japan", trilhas viajandonas de Wim Wenders ("The Bottom Line"), o melô sem eira nem beira do Duran Duran...
Ora tenta se antenar aos 90, via produção do inventor do Bomb the Bass, Tim Simenon (ele mesmo meio perdido em descaminhos nos últimos anos), não pelo tecno, mas pela via oportunista de tentar soar britpop, como Oasis ("Barrel of a Gun") ou Blur ("The Love Thieves"). Acaba por morder o próprio rabo, numas de Duran Duran de luxo.
Kraftwerk e Alphaville
Algo só acontece quando a banda escoa pela tangente -o que não acontece quase nunca no CD.
A sintetizada "Sister of Night" consegue ser melosa e consistente a um só tempo (como uma boa faixa do novo U2), e "It's No Good" funde uma tentativa de tecno, voz lânguida à Morrissey, algo de Kraftwerk deturpado por algo de Alphaville.
Passam de raspão, mas nem no bom pop vagabundo de "Just Can't Get Enough" (81) e "People Are People" (84) conseguem se espelhar. Depeche Mode preferiu, em 1997, conceber um disco embolorado do U2.

Disco: Ultra
Banda: Depeche Mode
Lançamento: Mute/Paradoxx
Quanto: R$ 18, em média

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