São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Palma foi maldição', diz Anselmo Duarte

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Anselmo Duarte, 77, foi o único brasileiro a ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Mas a vitória de "O Pagador de Promessas", há 35 anos, só lhe valeu, segundo ele, o ódio de seus pares.
Depois de 19 anos sem filmar, Duarte prepara-se para dirigir "O Mensageiro Messias", co-produção franco-portuguesa a ser rodada em Portugal.
Antes de partir para Cannes, onde vai participar da homenagem a Ingmar Bergman, Duarte falou à Folha sobre o festival.
*
Folha - De que maneira a Palma de Ouro marcou sua carreira?
Anselmo Duarte - Em qualquer país, o cineasta que ganha a Palma de Ouro é festejado. Aqui, não. Ganhar a Palma de Ouro, para mim, foi uma maldição, pois despertou a inveja dos meus colegas, principalmente os do cinema novo.
Disseram que eu era quadrado e analfabeto, e tentaram diminuir minha vitória insinuando que ganhei porque namorava a Christiane de Rochefort, assessora de imprensa do festival. Ela era só uma funcionária, não apitava nada.
Ou então diziam que fui premiado para evitar um confronto entre os principais concorrentes europeus, o Antonioni e o Robert Bresson. Mas o concorrente mais forte que tive mesmo foi "Electra", do Michael Cacoyannis.
Folha - Como o cinema novo o prejudicou?
Duarte - Naquela panela de Ipanema eram todos jornalistas, cultos, dominavam a imprensa e a política cinematográfica. Por causa deles eu tive meu trabalho dificultado durante 20 anos.
Meu filme posterior ao "Pagador", "Vereda da Salvação" (1964), deixou de ir a Cannes por influência direta do David Neves, que era assessor de cinema do Itamarati. Pouco antes de morrer, David me deu um exemplar do livro dele, "Cartas do Meu Bar", com uma dedicatória em que se desculpava e reconhecia que tinha me prejudicado.
Folha - Em 71, você foi jurado em Cannes. Como foi?
Duarte - Votei em "Procura Insaciável", do Milos Forman, mas quem ganhou foi Joseph Losey, com "O Mensageiro".
Aliás, teve uma coisa curiosa. O júri não tinha dado nenhum prêmio para o filme do Visconti, "Morte em Veneza". O presidente do festival, inconformado, resolveu criar um prêmio especial, de 25º aniversário, e dar para o Visconti. Tem gente que diz que "Morte em Veneza" ganhou a Palma de Ouro. É mentira.
Nem gostei do filme. Aquele viadão correndo atrás daquele garotinho, achei uma merda.
Folha - Concorria também "Pindorama", de Arnaldo Jabor.
Duarte - É. Depois que "Pindorama" foi exibido, a presidente do júri, Michèle Morgan, perguntou se os jurados achavam que ele devia concorrer à Palma de Ouro.
O voto era secreto. Escrevíamos "sim" ou "não" num papelzinho. Ela começou a ler os votos: "Não", "não", "não", até que chegou num "sim". O Sergio Leone, que também era do júri, me deu um tapa nas costas e disse: "Patriota, hein?". Todo mundo riu. De fato, era eu que tinha votado.
Folha - Por que você não votou no Bergman para a Palma das Palmas?
Duarte - Não é que eu não goste dele, é que gosto mais do Alain Resnais, apesar de ser um cineasta ainda mais complicado. Votamos também nos três melhores filmes entre os premiados em Cannes. Votei em "Blow Up", do Antonioni, "O Sétimo Selo", do Bergman, e "A Porta do Inferno", de Teinosuki Kinugasa.
(JGC)

Texto Anterior: Filmes brasileiros em Cannes
Próximo Texto: Neste ano, país só participa do Mercado Internacional
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.