São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997
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Recife, na época, era a Moscou tropical

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

No dia 1º de abril de 1964, a sede do Movimento de Cultura Popular do Recife foi invadida por militares e não sobrou uma folha de papel para contar a história. Todos os livros foram queimados, de Monteiro Lobato aos clássicos da historiografia da coleção "Brasiliana".
Era o fim da primeira aplicação em massa do método de Paulo Freire. Durou três anos -de 1961 a 1964, quando os militares depuseram o presidente João Goulart.
Euforia da esquerda
O Movimento de Cultura Popular, do qual Paulo Freire coordenava o setor de pesquisas, nasceu para combater o analfabetismo na periferia de Recife (PE).
À época, a cidade tinha taxas africanas de analfabetismo (56%), segundo o pedagogo João Francisco de Souza, 53, diretor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco e autor de uma tese sobre educação no Estado entre 1958 e 1964.
Recife tinha também um prefeito de esquerda, Miguel Arraes, eleito em 1960 pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro). No Estado, havia a euforia das Ligas Camponesas, criadas em 1955 para lutar pela reforma agrária.
Inebriada pela Revolução Cubana (1959), na qual comunistas derrotaram latifundiários da cana similares àqueles pernambucanos, a esquerda brasileira imaginava que a revolução estava prestes a estourar -e tudo partiria de Recife.
"Pernambuco era um Moscouzinho à época. Todo mundo tinha certeza de que a revolução ia acontecer no dia seguinte", conta Souza, que trabalhou com Paulo Freire nos anos 60 e 70.
Pressa
Em 1961, Arraes transformou o método de Paulo Freire em política oficial de alfabetização. Segundo Souza, o cenário educacional da cidade era tenebroso.
Não havia escola municipal. Entre 1880 e 1960, nenhuma escola foi erguida em Recife com dinheiro da prefeitura. Na periferia, havia poucas escolas privadas (da Igreja Católica) e raríssimas estaduais.
No dia 1º de maio de 1961, de uma tacada só, o então prefeito Arraes inaugurou dez escolas. Até o final daquele ano, abriria outras 46. Souza estima que foram erguidas 150 novas escolas até 1964.
Cerca de 5.000 adultos foram alfabetizados pelo método de Paulo Freire nessa período, segundo Souza -a partir de 1963, quando Arraes é eleito governador, a experiência se dissemina pela Estado.
A pressa tinha razões políticas -visava a "conscientização". "As pessoas queriam ser alfabetizadas para ler os panfletos, para entender o que ocorria", diz.
Em 40 dias, o analfabeto já lia os textos mais simples. Em dois anos, estava alfabetizado.
Apesar do esquerdismo, empresários bancaram a experiência no primeiro ano. Rotary e Lions deram dinheiro para fazer as primeiras escolas. A Antarctica fornecia merenda e uniformes.
Foi só em 1963, com Darcy Ribeiro no Ministério da Educação, que a experiência recebeu verbas federais. Era tarde demais.

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