São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997
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Raridades retornam restauradas

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Ciclo traz 15 filmes brasileiros em cópias novas, alguns há muito fora de circulação Raridades retornam restauradas
A "Mostra de Filmes Restaurados", que a Sala Cinemateca promove a partir de hoje, abre duas possibilidades simultâneas ao espectador interessado.
Em primeiro lugar, ele poderá ver 15 filmes brasileiros, alguns fora de circulação há muito tempo. Em segundo lugar, os verá em cópias novas e bem cuidadas.
A amostragem proposta pela Cinemateca Brasileira cobre dos anos 30 aos 70, começando com "Ganga Bruta", de Humberto Mauro (1933), em cópia com música de Radamés Gnatalli.
Pula-se daí para os anos 50, representados pelas principais vertentes do período. Está presente a produção dos grandes estúdios ("Simão, o Caolho", de Alberto Cavalcanti, e "Sinhá Moça", de Tom Payne e Oswaldo Sampaio -o primeiro feito em 1952 na Maristela; o segundo, em 53, na Vera Cruz).
Mas também entram na roda independentes do início dos 50, como "O Saci" (1953), de Rodolfo Nanni (baseado nos personagens infantis de Monteiro Lobato), e chanchadas pesadas, como "Depois Eu Conto", de José Carlos Burle (56), e "Rio Fantasia" (56), de Watson Macedo.
O essencial das atenções, entre os filmes dos anos 60, vai para o cinema novo, representado por "Ganga Zumba" e "A Grande Cidade", de Carlos Diegues, "Terra em Transe", de Glauber Rocha, e "Fome de Amor", de Nelson Pereira dos Santos.
Menos conhecidos, são dois filmes de produção baiana do início da década, "A Grande Feira", de Roberto Pires (1961), e "Sol sobre a Lama", de Alex Viany (1962).
Sobra espaço, ainda, para José Mojica Marins, elo de ligação entre a chanchada e o cinema dito marginal (ou experimental) que surge no final da década. Mojica vem com "À Meia-Noite Levarei sua Alma", filme de 1964 que revelou o personagem Zé do Caixão.
Os anos 70, por fim, são defendidos por dois trabalhos mitológicos: "Bang-Bang", de Andrea Tonacci, e "Triste Trópico", de Arthur Omar.
Raridades
Independentemente da qualidade dos filmes, grande parte do interesse da mostra está na raridade dos trabalhos a serem exibidos.
Nesse sentido, o lote dos anos 50 tem destaque. Com exceção de "Simão, o Caolho" e "Sinhá Moça", apresentados com frequência mesmo em TV, todos os demais estão fora de circuito há tempos.
No mais, "O Saci", "Depois Eu Conto" e "Rio Fantasia" representam apenas parcialmente a variedade da produção do período. Os anos 50 variaram da opulência da primeira Vera Cruz às vicissitudes que se seguiram à sua falência (o tempo da Brasil Filmes) passando pelos primeiros ensaios neo-realistas, que dariam origem ao cinema novo.
Em todo caso, a mostra não se propõe a uma revisão do cinema brasileiro.
Os anos 60 trazem os filmes mais exibidos de toda a mostra, como "Ganga Zumba" (1963) e "A Grande Cidade" (66), de Carlos Diegues (o segundo, talvez o melhor filme do diretor), e "Terra em Transe" (67), um belíssimo Glauber Rocha.
O grande lance, no que diz respeito a esse período, no entanto, foi mesmo o restauro de três filmes pouco conhecidos: os baianos "A Grande Feira" (61), de Roberto Pires, "Sol sobre a Lama" (62), de Alex Viany, além de "Fome de Amor" (68). Este último não só é um dos melhores Nelson Pereira dos Santos como, de quebra, traz interpretações marcantes de duas atrizes-chave do cinema brasileiro: Leila Diniz e Irene Stefânia.
Os 70, por fim, trazem "Bang-Bang" (71), de Andrea Tonacci, que mal chegou a entrar em cartaz comercialmente, e "Triste Trópico" (74), de Arthur Omar, que nem foi lançado em São Paulo.
Nesse cinema em que a reflexão sobre a própria imagem ocupa espaço central, Omar e Tonacci destacaram-se.
Seja pelo momento conturbado, seja pela precariedade da produção, esses filmes tendem à desigualdade. Às vezes vale a pena enfrentá-la. Basta ver o plano de abertura de "Bang-Bang" para notar ali um talento invulgar. Basta ver o que vem depois para verificar tudo o que esse filme quase desconhecido legou para o cinema futuro.

Evento: Mostra de Filmes Restaurados
Quando: de hoje a sexta (9)
Onde: Sala Cinemateca (r. Fradique Coutinho, 361, Pinheiros, tel. 881-6542) Quanto: R$ 6

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