São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997
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Ao mestre com carinho

ALOIZIO MERCADANTE

Nesta semana o Brasil perdeu uma de suas mais expressivas figuras no campo da educação, Paulo Freire.
Quem, como eu, teve a oportunidade de compartilhar com ele a militância partidária, a campanha presidencial de 89 e 94 e a docência na PUC-SP por mais de uma década, quando ele voltou do exílio como um educador de imenso prestígio internacional, sabe que em suas mais simples atitudes estava sempre presente o mestre, que tinha sempre alguma coisa a ensinar.
Paulo Freire era um educador desde as mais simples atitudes. O Paulo Freire dos auditórios lotados, das palestras na periferia ou em simpósios internacionais era sempre o mesmo poeta das palavras e educador da liberdade.
Paulo Freire, como ninguém, nos ensinou que a educação é valor fundamental, base para o desenvolvimento sustentável e humanizado. Com ele aprendemos a valorizar o saber acumulado pelos trabalhadores mais simples e que o processo educativo não deve ser só formal, mas também meio para formar homens conscientes de sua cidadania e de suas responsabilidades para transformar a sociedade.
A educação nas escolas deve incorporar valores como solidariedade, fraternidade, respeito a crenças e raças, ao meio ambiente e aos direitos humanos que este capitalismo selvagem rejeita.
Paulo Freire gostava de dizer que os políticos brasileiros são eleitos pregando um papel de destaque à educação, que nenhum presidente ou governador do Brasil conseguiu se eleger com um discurso do tipo "no meu governo a educação não será uma prioridade". E que a educação nunca descia do palanque para entrar no governo. A educação ficava sempre para depois de um viaduto ou de um plano de estabilização. Foi assim que, ao longo de nossa história, essa elite irresponsável se reproduziu no poder, negando o conhecimento ao nosso povo.
Salvo honrosas exceções, Paulo Freire tinha toda razão. No Brasil a educação ainda é vista pelo Estado como gasto e não como investimento. É incrível que o mesmo país que acaba de perder um dos maiores educadores do século tenha um dos piores índices de escolaridade do mundo.
Os dados da tabela revelam um país pouco preocupado com a educação de seu povo. No Brasil, o número médio de anos de estudo é de 3 anos e 9 meses, só superior ao do Haiti, que, todavia, apresenta renda per capita cinco vezes menor.
No Mercosul, a Argentina possui um número médio de anos de estudo de 8 anos e 7 meses, mais do que o dobro da verificada entre os brasileiros.
Quando comparamos países com renda per capita parecida com a do Brasil, entre US$ 4 mi e US$ 5 mil, podemos constatar uma triste realidade. O Brasil é campeão em analfabetismo, que atinge 19% da população, e no percentual da população adulta sem nenhuma instrução (32,9%).
Quando confrontamos os dados do Brasil com os demais países da América do Sul podemos verificar que possuímos o menor percentual de pessoas adultas com o primeiro grau completo, apenas 4,9%, quando na Argentina é de 34,6%, no Uruguai 29,6%, no Peru 17,4%, e no Paraguai, 15,4%.
A sociedade do futuro é uma sociedade do conhecimento e do saber. Excluir grande parte da população das escolas e da educação significa alijar uma imensa massa de trabalhadores dos novos processos produtivos e condená-los à "inempregabilidade".
O caminho para o desenvolvimento sustentável com a construção da cidadania para os excluídos exige uma revolução na educação, a universalização com escola de qualidade. Porém, o Brasil cortou verbas para a educação no orçamento de 1996 e o governo pretende reencaminhar o Fundo de Estabilização Fiscal, que insiste em desrespeitar a exigência constitucional de vincular verbas orçamentárias para a educação.
Perder Paulo Freire e Darci Ribeiro significa deixar de conviver com intelectuais que jamais abdicaram do compromisso com os destinos do Brasil e do seu povo. Homens que estiveram na vida pública sem jamais abandonar a sala de aula, e que sempre olharam para muito além de seu tempo, mostrando para a minha geração e para os que virão que socializar o saber e a cultura é a dimensão mais estratégia para construirmos um Brasil próspero e justo.
Mestre Paulo Freire, lá de cima você ainda verá realizada essa obra que foi a razão de ser de sua bela existência entre nós. Enquanto isso, nos quadros negros que resistem à degradação da escola pública, haverá uma legião de anônimos professores educando para a liberdade!

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