São Paulo, domingo, 4 de maio de 1997
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Equipe fica concentrada no próprio barco

MÁRIO MAGALHÃES

em São Paulo de Olivença (AM)
O time de Santo Antônio do Içá resolveu de modo pragmático como diminuir a distância entre o barco em que viajou e o local onde teria de se hospedar por três dias em São Paulo de Olivença: concentrou-se na própria embarcação.
A decisão não chega a ser original -é isso o que faz a maioria das equipes na Copa dos Rios.
Os times da casa são obrigados a fornecer alimentação e hospedagem aos visitantes, mas estes preferem ficar nos barcos a se arriscar em locais estranhos.
A viagem da seleção municipal de Santo Antônio foi acidentada. O barco Piraíba, homenagem ao peixe considerado o tubarão amazônico, zarpou às 13h30 de quinta-feira, mas logo passou a ter problemas no motor.
Às 23h, parou em Amaturá para pegar a equipe local. Era um acordo para dividir os gastos com combustível. O barco, de quase 30 metros de comprimento, é propriedade da Diocese de Santo Antônio.
Superlotado, com mais de 70 passageiros, a maioria dormindo em redes estendidas por um salão, o Piraíba teve de ser rebocado para continuar viagem.
Depois de viajar com o inimigo, as equipes chegaram às 10h30 de sexta-feira a São Paulo de Olivença, 5 horas antes do jogo em que abririam a rodada de fim-de-semana, num empate em 1 a 1.
Para não dividir o mesmo espaço, a seleção de Amaturá se concentrou no local cedido pela Prefeitura de São Paulo de Olivença.
Democráticos
Os percalços, no mínimo irritantes para não-iniciados, foram encarados quase com indiferença pelo time de Santo Antônio, habituado a surpresas mais perigosas.
"Uma vez estávamos indo jogar em Tonantins, aqui mesmo no Solimões, num barco meio doido", conta o técnico Cairo, que até a última Copa dos Rios era jogador.
"A mangueira, em vez de tirar água do barco e jogar no rio, estava fazendo o contrário. Quando vimos, estávamos naufragando, meio barco dentro d'água."
"Tivemos que pular e nos agarrar numa árvore cheia de espinhos para não morrer."
A viagem de 21 horas desde Santo Antônio foi curta, para os padrões locais. As cidades são próximas, pouco mais de 200 km as separam.
Todos os jogadores são amadores. A prefeitura não quis contratar os profissionais que queriam se mudar de Manaus em troca de salários e gastos bancados.
"Queremos dar valor ao pessoal da cidade", diz o lateral-direito Rogério, também presidente da liga de futebol de Santo Antônio.
A escolha do dirigente da entidade obedece a critério radicalmente democrático -são os 400 jogadores filiados quem o elege.
Parabólicas
O município tem 17 mil habitantes, mas apenas cerca de 7.300 moram na sede, como é conhecida a concentração urbana às margens do Solimões.
Em outras ligas, quem costuma eleger o presidente são os clubes. Em Santo Antônio há muitos, cujos nomes revelam a influência da televisão no mundo do esporte globalizado, numa floresta amazônica infestada por parabólicas.
Entre as equipes, há o Ajax (nome de clube holandês), La Coruña (espanhol) e Juventus (italiano), em contraste com os "brasileiros" Canarinho e Guarani.
Uma vila com 3.000 ticunas tem três times apenas com jogadores índios: Brasil, Bangu e Santos.
Os atletas da seleção, na maioria, são funcionários públicos. No barco, acordavam às 5h, junto com o sol, e dormiam antes das 23h.
As preleções do técnico eram no Piraíba, onde, de manhã e à noite, a equipe se animava com rodas de música comandadas pelo lateral-direito Loiça.
Músico profissional, ele toca samba e pagode. Seus maiores sucessos, no entanto, são toadas, a música de boi amazônica que virou moda no Brasil e na Europa.
A eliminação na primeira fase frustrou um dos dois sonhos de Loiça para este ano, chegar às finais da Copa dos Rios, em Manaus. "Mas vou realizar o outro, gravar meu primeiro CD", afirma ele, cavaquinho à mão.
(MM)

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