São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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Livro conta a história de gay na Marinha

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Um livro contando uma história aparentemente banal, mas que na verdade é o relato de um crime escondido por sete anos, está recolocando em pauta um assunto que as Forças Armadas odeiam: o homossexualismo na caserna.
"Toque de Silêncio - Uma história de homossexualismo na Marinha do Brasil" conta as aventuras do ex-cabo Flávio Alves e de como ele driblou os regulamentos militares, que classificam como crime a prática homossexual, entre 1988 e 94, quando pediu baixa.
"É uma história feliz: não fui currado, estuprado, não fui expulso", diz Alves, hoje com 27 anos, adiantando que seu livro não traz cenas picantes, denúncias chocantes ou revelações escandalosas.
Por que, então, escrever um livro? "É uma ação política. Não quero denegrir as Forças Armadas, só jogar luz sobre esse tabu."
Originalmente, Alves pretendia escrever um livro repleto de depoimentos de militares gays, das três armas. "Expor seus desafios, contar suas histórias e, assim, provar que integridade moral e competência profissional têm muito pouco a ver com orientação sexual."
Alves achava que ia fazer uma "revolução das sereias". Ele conta ter procurado "quase cem pessoas". Só um militar aceitou contar a sua história e assinar o nome embaixo. Mesmo um que foi expulso em razão de sua homossexualidade se recusou a aparecer no livro. "Ele disse: 'Fui gay. Mereci ser expulso'. Você acredita?"
Ao pedir baixa da Marinha, Alves tentou coletar depoimentos de militares gays da reserva. Também não deu certo. "As pessoas só topavam falar se usassem pseudônimo. Não quis. Ia parecer mentira."
Sem o respaldo de seus colegas, Alves resolveu então contar a sua própria história. Para isso, foi ajudado pelo jornalista Sérgio Barcellos, que deu forma final ao texto.
Alves serviu em vários navios. No último, o contratorpedeiro Paraíba, trabalhava como operador de sonar (equipamento para detecção de submarinos). Ele diz que o comandante do navio sabia que Alves era homossexual, mas "fazia vista grossa".
Medo
Ao longo de "Toque de Silêncio", Alves conta uma história com poucos atrativos de seu cotidiano na Marinha. Um sentimento percorre toda a narrativa: medo.
"O medo era o sentimento de todos os dias (...). Como incluir o desejo homossexual nesse panorama? Uma única e simples palavra encerra a discussão: impossível."
Alves afirma jamais ter praticado relações sexuais dentro de dependências da Marinha. "Um possível envolvimento em uma prática homossexual seria uma vergonha e desonra que deveria ser carregada pelo resto da vida."
Alves escreve sobre seus namorados, sempre encontrados fora da Marinha, e sobre o preconceito de colegas, que desconfiavam de sua orientação.
A passagem mais divertida, porém breve, do livro é a história do cabo Pinheiro, segundo Alves, "o primeiro travesti servindo a Marinha do Brasil". Pinheirete, como era conhecido, fazia shows de dublagem durante as viagens.

Livro: "Toque de Silêncio", de Flávio Alves e Sérgio Barcellos
Preço: R$ 15,90 (176 páginas)
Lançamento: 15 de maio

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