São Paulo, segunda-feira, 5 de maio de 1997
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O reggae antes e depois de Marley

SÉRGIO MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na próxima sexta-feira acontece em São Paulo a segunda edição do Ruffles Reggae, maior maratona do gênero. Mais do que um simples festival, o Ruffles comprova uma teoria: o gênero jamaicano é um dos estilos musicais que melhor se desenvolveu, ao contrário dos eternos ranzinzas que insistem em dizer que "reggae é tudo igual" e cobram uma nova revolução no gênero. Os paulistas assistirão a pelo menos quatro estilos de reggae na pista de atletismo do Ibirapuera. Das melhores tradições roots de Third World e Pato Banton ao raggamuffin de Shaggy. Do lover's rock e dancehall de Maxi Priest ao african reggae de Alpha Blondy. E quem sabe Los Pericos não desenvolvem um baticum platino!

O gênero jamaicano que tem em Bob Marley sua melhor tradução é, na verdade, uma mistura de diversos ritmos que bombardearam a Jamaica nos últimos séculos.
A primeira manifestação musical da ilha, descoberta por Cristóvão Colombo em 1494, foram os cânticos trazidos pelos escravos.
Muitos estilos, tambores e séculos depois, na década de 50, os jamaicanos inventaram o mento. Que nada mais é que um tipo de calipso e rumba, muito popular no Caribe. Mas o povo da ilha queria mesmo jazz e rhythm'n'blues americano, captados por rádios de alta frequência. O som produzido por gente como Fats Domino (cantor americano) e pelo maestro Duke Ellington excitava a turma.
A união de todos esses gêneros musicais, além da categoria de músicos como Ernest Ranglin, Jah Jerry (guitarras) e Don Drummond (trombone), resultou, ainda nos anos 50, no ska.
Reza a lenda que ele tinha esse nome por causa do som das guitarras ("Scat, Scat..."). Frenético, gostoso de dançar, o ritmo era apreciado principalmente pelos rude boys -como eram chamados os delinquentes que dominavam o gueto jamaicano na época.
O passo seguinte dessa mutação foi o rocksteady. O ska tornou-se então mais sincopado, com um jeitão bem mais hipnótico.
Invasão na Inglaterra
Foi graças ao rocksteady que a Jamaica invadiu pela primeira vez as paradas inglesas. Os heróis da ilha eram Millie Small ("My Boy Lollipop", que Wanderléa transformou em "Meu Bem Lollipop" na época da Jovem Guarda) e Desmond Dekker, com "Israelites".
Os engenheiros de som da Jamaica, que na época eram responsáveis em produzir batidas originais, entraram definitivamente para a história. King Tubby começou a "picotar" suas gravações, aumentando o poder do baixo e criando uns vocais estranhos. Com isso, inventou o dub.
Outro doido de carteirinha, chamado Lee Perry, encasquetou que baixo e bateria deveriam estar sempre em primeiro plano. Também achou que o rocksteady deveria ter um andamento mais manemolente. Em resumo: Perry queria bagunçar o coreto e acabou criando um ritmo antológico.
O nome reggae foi usado pela primeira vez em 1968, pelo cantor Toots Hibbert. A música era "Do The Reggay", e, segundo, Hibbert, reggae queria dizer "uma coisa vinda do povo".
O novo ritmo veio a calhar para uma seita propagada na Jamaica desde os anos 20. Ela pregava que o imperador da Etiópia, Hailé Selassié, era o Messias. E os adeptos da filosofia não poderiam comer carne, cortar o cabelo e muito menos se servir de prazeres da Babilônia -como é chamada a civilização.
O nome original de Selassié era Ras Tafari Makonnen. Daí seus fiéis serem chamados de rastafari.
Essa pregação em forma de música ganhou corpo e voz por meio de Bob Marley. Musicalmente, ela despertou o interesse de astros como os Stones e Eric Clapton.
A partir de Marley e outros que vieram a seguir, o reggae só cresceu. Não apenas em sua terra natal, adicionando diversos recursos tecnológicos (leia-se instrumentos eletrônicos), como aproveitando bases lançadas em outros países.
Exemplos: na Jamaica, era normal alguém falar sobre as bases de um disco. A isso dava-se o nome de "talk over". Os animadores da platéia eram os DJs. Os americanos gostaram da experiência e usaram para fazer o rap. Ele bateu de volta na Jamaica e se misturou ao dancehall (reggae eletrônico) para ganhar o nome de raggamuffin.
Reggae & punk
O reggae também foi trilha sonora da geração do punk inglês. Lee Perry produziu a versão do Clash para "Police and Thieves", do "reggaeman" Junior Murvin.
O grupo ainda homenagearia cantores jamaicanos em "White Man In Hammersmith Palais", de seu primeiro -e seminal- LP.
O selo 2 Tone ressuscitou o ska jamaicano, adicionando a fúria punk, e gerou boa dose de bandas, como Specials e Selecter. Hoje o ska aparece em sua forma mais diluída com o americano No Doubt.
Ritmos como tecno, trance e jungle, que hoje dominam discotecas, beberam da fonte do reggae, em especial do dub (tecno e trance) e do raggamuffin (jungle).
Curta seu festival com a consciência de que está ouvindo um dos estilos que mais contribuíram para a modernidade da música.

Shows - Rio: 7/5 e 8/5 (tel. 021 283-3773); São Paulo, 9/5 (leia mais na pág. 6-2); Curitiba, 10/5 (tel. 041 222-0600); Brasília, 11/5 (tel. 061 346-8290); Porto Alegre, 6/5 (tel. 051 225-7271)

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