São Paulo, terça-feira, 6 de maio de 1997
Próximo Texto | Índice

Berdinazzi vai ao teatro

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

É com uma comédia de boa perspectiva comercial, orçada em R$ 600 mil, com patrocínio do Banco Real e da estatal Telesp, que o ator do fenômeno Geremias Berdinazzi volta dia 22 ao teatro.
Em "Cheque ou Mate", Raul Cortez faz um empresário em crise financeira e familiar, diante de um sequestro. Em entrevista, ele fala do retorno ao palco, de "O Rei do Gado" e comenta a reação à propaganda pela privatização da Vale.
*
Folha - O que fez escolher "Cheque ou Mate" e Ricardo Semler?
Raul Cortez - Gostei de um jogo do personagem, da camuflagem de emoções, do cinismo no clima todo da peça. Retrata um ambiente hipócrita que é da sociedade atual.
É claro que a peça teria que ser trabalhada, reescrita. Tudo isso eu levei ao conhecimento do Ricardo. Concordamos e saímos a campo.
Folha - A sua filha está no elenco. Você se identificou com o papel?
Cortez - Eu identifiquei várias pessoas que conheço e que fazem esse jogo. O interessante no papel é poder, por ele, criticar uma tendência ao status. É um homem que veio do nada e que, num casamento "bem-sucedido", acabou com a fortuna da mulher... Apesar disso, ele quer o respeito -mas sempre por meio do dinheiro. É muito interessante. E é gostoso quando você trata de um personagem que está aí, na sociedade.
Folha - Entre o projeto inicial e a montagem teve o Berdinazzi...
Cortez - O Geremias.
Folha - Como foi a explosão de popularidade, nesse seu personagem de maior repercussão na TV?
Cortez - O mais forte, mais de acordo com o que faço em teatro.
Folha - Que permitiu construção mais complexa de personagem.
Cortez - Exato. Foi uma construção detalhada e inquietante... Eu mudei antes. Alguma coisa aconteceu, que não sei precisar, mas eu senti que melhorei como ator. Entrei assim no papel. E não sei... Sei qual foi a cena que me fez encontrar, mas não sei por quê.
Folha - Que cena foi?
Cortez - Eu encontrava aquela mulher dormindo no sofá e que dizia ser minha sobrinha. Aí falo assim: "Dio santo..." Fico até hoje emocionado. "Dio santo, ma che fa questa ragazza qui". Na hora fez pá. Fui falar com o (diretor) Luís (Fernando Carvalho) e ele estava tomado pela emoção. Eu também. Falei: "Ah, agora deita e rola, porque veio". É um personagem com tanta força que às vezes eu acho que existe, está aí. A despedida está sendo muito lenta.
Folha - Você volta agora ao teatro, que passa por um fase ruim de público, e no próprio espírito. Por que você não desiste do palco?
Cortez - Mas há quanto tempo se arrasta isso, não é? O teatro tem uma qualidade extraordinária. Está sempre refletindo nossa realidade. Se ela é medíocre, e é mesmo, e voltada a falsos valores, ele também é. Mas como é que posso saber mais? Sentir mais? Você está no teatro e sua própria condição faz debruçar sobre quem o assiste. Esse debruçamento é muito enriquecedor e só pode ser no teatro.
Folha - Você já trabalhou com diretores e estilos de interpretação...
Cortez - É um arquivo meu.
Folha - Você faz esse trabalho tão variado para se enriquecer?
Cortez - Em primeiro lugar, faço porque turminhas e tribos são um erro total. Não é estimulante. A diversificação é o que interessa.
Folha - O que ficou de cada um?
Cortez - Como atuar, os inesperados que se dá como ator, eu aprendi com o Antunes (Filho). A função do teatro como política, renovador de comportamento, com o Zé Celso. A estética de um espetáculo, o cuidado todo, José Possi Neto. A funcionalidade, o profissionalismo, Flávio Rangel. Tudo foi acrescentando. Então, conforme a cena, você tem a referência.
Folha - Também de atores?
Cortez - Eu sempre prestei muita atenção. Foram anos. Fiz o "Hamlet" com Sérgio Cardoso. Eu prestava uma atenção louca.
Folha - Era o ator que dizem?
Cortez - Ah, era. Tinha um talento avassalador, extraordinário, como a Cacilda (Becker). Nunca vi igual. Eu me pergunto por que não se tem mais gente assim. Mas eles lutavam com uma repressão grande, não só da ditadura, mas na própria casa. Fazia encher de energia, firmar personalidade. Hoje é difícil, porque tudo, de certo modo, está liberado. Tudo é normal.
Folha - Você já esteve envolvido com o teatro político. A política ainda é um tema para o teatro?
Cortez - Eu não sei. Hoje em dia não é mais isso. Hoje qualquer ato individual se torna político e coletivo. Você não sabe mais separar.
Folha - Você faz a campanha da Vale. A propaganda envolve o seu lado, digamos, profissional, mas você apóia de fato o governo FHC.
Cortez - É, estou sendo até usado no PDT (ri). Eu fiz a propaganda porque acredito. Não foi só porque ganhei, profissionalmente. Eu sempre fiz campanha para o Fernando Henrique e jamais ganhei.
Acho que, não só no Brasil, na América Latina, temos que ter orgulho de, pela primeira vez na história, ter um presidente como ele. Mas a Vale, a crise toda, era esperada. Tirando o respeito que se tem por PT, CUT, mas são velhos políticos. O Itamar, o Sarney. Isso deve pesar para quem queira ter opinião sobre a privatização.
Folha - O (colunista da Folha José) Simão defendeu privatizar Raul Cortez.
Cortez - (Risos) Eu não li isso. Mas era avacalhação?

Próximo Texto: Estreante, Semler escreve sobre o dinheiro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.