São Paulo, quinta-feira, 8 de maio de 1997
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Células de defesa podem 'ressuscitar' HIV

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DE NOVA YORK

Algumas células do sistema de defesa do corpo, que permanecem "silenciosas" (latentes), são o maior obstáculo para erradicar o vírus da Aids do corpo humano.
A opinião é de Robert Siciliano, da Universidade Johns Hopkins, que publica hoje, com colegas de outras instituições científicas, estudo na revista "Nature".
Certas células de defesa, chamadas células T de memória, são geradas quando alguém entra em contato pela primeira vez com um micróbio ou quando uma pessoa é vacinada contra um determinado microorganismo.
Depois desse encontro, normalmente elas ficam latentes (silenciosas), mas alertas. Quando entram novamente em contato com o microorganismo, se tornam ativas e começam a se dividir.
Os cientistas procuraram descobrir, em 14 pacientes soropositivos, quantas células "silenciosas" e quantas delas, ativas, escondem o material genético do HIV.
O tempo de contágio foi considerado secundário. "A maioria das pessoas não sabe exatamente quando contraiu a doença. Então, examinei pacientes em diferentes estágios. Alguns com o vírus há vários anos, outros infectados mais recentemente", disse Siciliano em entrevista à Folha.
Invadindo células
Ao contrário da maioria dos seres vivos, o HIV possui como material genético uma molécula de RNA. Por meio de uma proteína chamada transcriptase reversa, o HIV consegue produzir DNA, que traz as instruções para que sejam produzidos mais vírus. Esse DNA viral é capaz de se "misturar" ao DNA da célula de defesa. A célula, confusa, passa a produzi-los.
Entretanto o processo leva a vários erros. Alguns desses erros fazem com que essas instruções não sejam lidas, pelo menos temporariamente. O HIV fica, assim, "silencioso" dentro das células.
O problema é que, ao encontrar novamente um antígeno (podem ser outros micróbios), as células de memória se ativam e, assim, o mecanismo de produção de mais HIVs também é ativado. "Essas células formam uma pequena reserva, guardam na memória os mecanismos para copiar o HIV e, a qualquer momento, podem ficar ativas novamente", afirma.
"O problema das células silenciosas é que quando elas se tornam ativas, lançam novos genes do HIV no sangue", diz Siciliano. Assim sendo, uma simples infecção pode desencadear todo o processo novamente.
Usando um método chamado PCR, os pesquisadores conseguiram medir quantas são as células silenciosas nos nódulos linfáticos, um dos santuários onde ele se esconde. Os resultados mostraram que apenas 0,5% das células silenciosas têm o DNA do HIV dentro delas, só 0,05% tem o DNA viral misturado ao DNA da célula e apenas 10% delas conseguem produzir novos vírus.
"Verificamos que, ainda que existam em pequeno número, muitas vezes bem inferior a 1%, podem desencadear a doença a qualquer momento."
E mais. Siciliano afirma ainda que "essas células silenciosas não são atingidas pelos coquetéis de drogas".
"Não quero parecer pessimista, mas é com esse tipo de célula que a medicina agora deve começar a se preocupar", afirma o cientista.
"Ninguém ainda foi curado de Aids, e ainda deveremos esperar um bom tempo até que alguém descubra alguma solução para eliminar a doença", diz ele.
"Precisamos de paciência. Os estudos contra a Aids ainda estão engatinhando."

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