São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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Lição de rancor

IVANA BENTES

É com certo tédio que respondo pela segunda vez ao "polemista" aí do lado, que pegou carona no meu livro para exercer o que já foi de praxe em certos meios: a condenação sumária de uma obra ou pessoa que não pertence a um grupelho.
O que importa para Escorel não é o debate de idéias, a discussão política ou estética, o pensamento ou a análise, mas seu mundo de alfinetes e mixarias, sua aritmética dos "erros". Por isso, esse inusitado leitor (o livro foi lançado em julho de 96), figura pálida e levemente recurvada, insiste em nova lição de rancor.
Escorel se esconde sob a capa do "educado" e "sério". Mas o "educado" Escorel começa uma "resenha" dizendo que "urubu cagou na cabeça de Joaquim". Necrófilo, lembra Joaquim Pedro, não por sua obra, singular e vital, que meu livro analisa, mas pelo câncer que o matou. Desonesto, tira as frases de seu contexto, distorcendo o que está escrito. "Imparcial", compara meu livro de 172 páginas de análise com uma "montagem de entrevistas" dadas por L. Hirszman, opondo minha "falta de pesquisa" com o "excesso de escrúpulos" de outro pesquisador, quando os livros não têm tema, estilo ou propostas comparáveis. Mais lamentável ainda, dá a entender que o livro inédito sobre Joaquim, do crítico Ronald Monteiro, que morreu ano passado e não pode se defender, também seria "condenado". Ronald nunca teve nenhum apoio para editar seu livro, a turma dos impotentes prefere o trabalho da demolição.
A "nova autora" dispensa o tom paternal-patético do "resenhista". Não tenho compromissos com ninguém, vivo ou morto, da geração Cinema Novo, o que me permitiu a suprema liberdade de escolher minhas próprias fontes e contribuir com uma visão original da obra de Joaquim Pedro. Também preferi a "memória fantasiosa" do fotógrafo Mario Carneiro à "seriedade" de Escorel, que mal disfarça sua profunda anemia intelectual.
O livro produz conhecimento e debate, destoa dessa cultura da esterilidade e da impotência. Analiso a relação da obra de Joaquim Pedro com o modernismo de Oswald e Mário de Andrade, seu retrato do acanalhamento das elites e heróis, seu profundo entendimento da sociedade de consumo brasileira e do nosso capitalismo macunaímico. Combino análise teórica com memória e humor, ironia modernista que marca o cinema de Joaquim. Analiso cada filme. É o que interessa.
A crítica de cinema perdeu espaço nos jornais. Restam os livros e revistas. Ao lado de três outros críticos, edito a revista "Cinemais", no seu quarto número. Faço um trabalho de formação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escrevo para jornais, quando tenho o que dizer. Esse mundo em que Escorel vive, das intrigas e ódios, das condenações sumárias, acabou. Enquanto Escorel cata "erros" e procura "incoerências", preparo novo livro: a correspondência inédita de Glauber Rocha, "Cartas ao Mundo (1953-1981)", resultado de quatro anos de pesquisa. Livro de cinema e de teoria, que também servirá para "chatear os imbecis" e "insultar os arrogantes".

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