São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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Prometeu sem mito

SHOZO MOTOYAMA

A resenha intitulada "Raízes da ciência brasileira" (Jornal de Resenhas, 11/04/97), do professor Antonio Videira, sobre nosso livro "O Almirante e o Novo Prometeu", é interessante, bem-intencionada e expressa uma postura correta em relação à história da ciência. Contudo, sou obrigado a discordar de alguns de seus comentários, que considero infelizes.
O primeiro deles refere-se à sua catilinária de que os participantes do livro são muito simpáticos ao almirante Álvaro Alberto: comportamentos inadmissíveis para pesquisadores que deveriam "guardar uma maior distância com o objeto de estudo", segundo as suas próprias palavras. Ora, mesmo sem invocar o mito da neutralidade científica, pode-se reconhecer que o resenhista partiu de uma premissa errada. O livro em questão surgiu como resultado de uma pesquisa realizada no "acervo deixado pelo almirante", não se tratando de uma declaração de intenções para futuras investigações, como quer nosso crítico. A simpatia pelo fundador do CNPq vem como consequência das análises feitas com os dados do acervo e não o contrário. As pesquisas das quais resultaram os capítulos do livro foram feitas com a maior imparcialidade possível, dentro dos parâmetros recomendados da objetividade.
A premissa errada que o professor Videira adotou também induz a um outro erro. As qualidades de Álvaro Alberto apontadas na introdução do livro não são hipotéticas ou meras suposições. Resultam de análises feitas com a "utilização do material inédito que se encontra no arquivo recentemente organizado". Assim sendo, tenho elementos e documentos para defendê-las em qualquer arena acadêmica. Só não o fiz no livro porque seu objetivo era outro. Isto é, o objetivo estava em apontar que vivemos num país sem tradição científica, onde não se dá o devido valor ao cientista nacional, justamente porque não se olha o futuro com um sentido de história. A questão do herói científico, em geral, e do Álvaro Alberto, em particular, foram levantadas nesse contexto. Em última instância, é a sociedade que decide quem são os seus heróis. Por isso, as diatribes do resenhista sobre o assunto perdem o sentido.
Da mesma forma, a sua crítica de que "eventos importantes (...) não são explicados no livro, mesmo quando mencionados" é, para dizer o mínimo, incompreensível. Afinal, no exemplo tomado, de Álvaro Alberto versus Juarez Távora, a "menção" ocupa explicitamente "só" três páginas (96-98), ao mesmo tempo que o situa no contexto do confronto entre os "autonomistas" e os "entreguistas" no campo da energia nuclear e da política internacional. Com efeito, em muitas outras páginas, mostram-se com "material inédito" as formas específicas e concretas como se deu essa contenda.
Rotular isso de "generalidade", como faz nosso crítico, é escamotear o verdadeiro objetivo do livro. Este foi concebido exatamente com o intuito de esclarecer alguns pontos sobre Álvaro Alberto que eram discutidos de modo vago e geral: as suas pesquisas em química, os seus conhecimentos sobre física e energia nuclear, a originalidade e qualidade de seus escritos em história e filosofia da ciência. Para isso, convocaram-se historiadores com qualificação nessas áreas, para análises específicas, colocando à disposição os documentos pertinentes, na sua maioria inéditos, do arquivo recém-montado. Os resultados obtidos são claros, embora nem sempre conclusivos. Por isso, é incompreensível para mim a incompreensão do professor Videira. Talvez seja este o ônus de se viver num país sem tradição científica.

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