São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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Avante Brasil: a vocação é a terra

EVARISTO MARZABAL NEVES

Dois pronunciamentos recentes resgatam o papel da agricultura como alavancadora do desenvolvimento socioeconômico do país, num momento em que o déficit da balança comercial atingiu US$ 951 milhões em abril, superando as expectativas mais pessimistas da equipe econômica do governo. No acumulado dos quatro meses de 97, o déficit é preocupante e já alcança US$ 4,009 bilhões. Percebe-se que está difícil conter a incontinência consumista nacional por produtos importados.
Pronunciamento número 1: o chanceler Luiz Felipe Lampreia (ministro das Relações Exteriores), no seminário "O Brasil e o Comércio Internacional pós-Cingapura", realizado em abril na Fiesp, anunciou que "a agricultura é a prioridade número 1 do governo brasileiro. É o setor da nossa economia com maior capacidade de expansão no mundo. Estamos certos de que do bom desempenho da agricultura depende o equilíbrio de nossas contas comerciais" ("Revista da Indústria" - Fiesp/Ciesp/Sesi/Senai/IRS, nº 36, 7 de abril, pág. 17).
Sinaliza, dessa forma, que a vocação do Brasil é a agricultura e, por extensão, o agribusiness, ratificando que o maior patrimônio nacional é a terra, contemplada com as benesses da mãe-natureza que premiou as dimensões continentais do Brasil com possibilidades quase infinitas de explorações agropecuárias, abrigadas sob os climas tropical e temperado.
A história está aí para confirmar. O primeiro documento, datado de 1500, já anunciava que "aqui, em se plantando, tudo dá". Essa carta já historiava as nossas imensas vantagens comparativas, às vezes não compreendidas e subestimadas pelo poder público, o que atrasou casuisticamente o desenvolvimento científico e tecnológico, o aparelhamento adequado e o manejo racional de nossas potencialidades agropecuárias, agroindustriais, agroambientais e florestais.
É inconcebível que o Brasil não seja o primeiro lugar mundial na agricultura tropical, não só em quantidade mas também em qualidade, o que não é uma tarefa difícil devido ao estoque de conhecimentos científico e tecnológico adaptados, que estão em nossos institutos e centros de pesquisas agropecuárias e em nossas universidades e que precisam ser incrementados, testados e conhecidos. Para tanto, é preciso investir mais na educação qualitativa de nossa gente do campo para aumentar mais a competitividade internacional do Brasil.
Pronunciamento número 2: o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na plenária do Fórum Nacional da Agricultura (dia 2 deste mês, na Feira Internacional de Tecnologia Agrícola - Agrishow - em Ribeirão Preto), anunciou que "é muito importante que o Brasil entenda que uma agricultura sólida é condição de prosperidade geral. Estamos conseguindo reverter uma situação que no passado foi negativa e que hoje mostra um ânimo muito forte" (Folha, 3 de maio, pág. 1-5). Enfatizou, ainda, que "a agricultura não é passado, é futuro. E isso é o que vai financiar o Brasil durante muito tempo, até que tenhamos condições de generalizar esse processo no nível industrial e competir com mais tranquilidade, internacionalmente".
As palavras do presidente ecoaram forte, num momento em que o Fórum Nacional da Agricultura (FNA) vem desenhando o posicionamento dos agronegócios no próximo Encontro das Américas (III Fórum Empresarial em Belo Horizonte, MG, de 13 a 15 deste mês) e que antecede a III Reunião Hemisférica de Ministros Responsáveis pelo Comércio, que acontecerá dia 16, com o intuito de formatação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Esta abrangerá todo o continente americano, exceção, por hora, de Cuba. Como é sobejamente conhecido, há o compromisso para a formação de uma área de livre comércio americano em 2005.
O FNA visa fortalecer, racionalizar e subsidiar a participação brasileira nos próximos fóruns internacionais, agora melhor coordenada e afinada com os anseios nacionais e com a defesa sistêmica da agricultura e da cadeia agroalimentar, mormente no posicionamento relativo à competição desleal internacional enfrentada pelos nossos agronegócios, no acesso a mercados; "standards" e barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio (estas, devido às medidas sanitárias e fitossanitárias); subsídios, antidumping e medidas compensatórias.
Se os pronunciamentos oficiais são para valer, e se a voz e a visão sistêmicas do FNA forem apoiadas e defendidas, não resta dúvida de que nossa vocação natural será valorizada e respeitada internacionalmente. Não deverá ser vista apenas como "apaga fogo" no sufoco dos déficits da balança comercial ou como componente amortecedor da inflação devido ao peso dos alimentos nos índices de preços ao consumidor.

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