São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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'Fedra' vale por Arósio e Mika Lins

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Ana Paula Arósio não é o que se qualifica de "uma boa atriz". Sua presença em "Batom", comédia da qual participou antes de "Fedra", causava constrangimento.
Mal se ouvia a sua voz; ela estava sempre em algum tempo diverso dos demais, ótimos comediantes; pouco acompanhava ou sabia da trama, quanto mais da psicologia do personagem, aliás, pobre.
Tanto pior a visão anterior quanto maior a surpresa com seu Hipólito, em "Fedra". Não bastasse o rosto perfeito, há uma concentração emocional na atriz que faz não enxergar outra coisa, no palco. E ela interpreta um personagem masculino, o que restringe, nos figurinos, maquiagem, penteado, a explosão da beleza física.
Não que tenha avançado muito na projeção de voz ou no domínio dos diálogos, mas é certamente uma atriz, e uma atriz de impacto, de impressão profunda. Debaixo dos constrangimentos, surgem um brilho de olhar, uma inflexão, uma postura inesperados.
No belíssimo texto sobre a paixão, de um Racine que sabia como compor tal sentimento no teatro, é em Hipólito e na Arícia de Mika Lins que "Fedra" se desvela.
São os jovens apaixonados; sem sustentação social, mas levados pelo amor. Amantes divididos entre o próprio amor e o amor por aqueles a quem eles ferem.
Mika Lins, com ainda menos texto do que o Hipólito de Ana Paula Arósio, não fica atrás, em concentração emocional. Expõe envolvimento inteiro, ainda que no recato algo juvenil e doloroso do papel.
Duas cenas, em especial, são reveladoras. A primeira é a do beijo em Hipólito, que permite o único toque físico, em opção deliberada do diretor, Antônio Abujamra, que impede os personagens de aproximação, no restante. O beijo faz palpitar, em suspense.
A outra cena, ou outras, traz Arícia no canto, voltada para a parede, distante da ação, mas em tensão apaixonada, em atenção vista raras vezes no palco, com atores distantes do diálogo direto -novamente, decisão adequada, de manter os personagens no palco.
Tivesse uma Fedra de maior pungência, assim apaixonada, e "Fedra" seria uma experiência maior, única, de teatro.(NS)

Peça: Fedra
Quando: qui a sáb, às 21h30; dom, às 20h30
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 277-3611)
Quanto: R$ 8

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