São Paulo, sábado, 10 de maio de 1997
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Planos de saúde: saúde ou mercadoria?

CARLOS FREDERICO D. ANJOS
A suspensão pelo STF da lei estadual nº 9.495, que obriga os planos de saúde a cobrir todas as doenças, levanta a importante questão da integralidade do atendimento em saúde, bem como da saúde como atividade ou empresa com finalidade lucrativa. Assegurar atendimento integral, qual seja, assistir ao paciente desde um resfriado (menos custoso) até um caso mais complexo (mais custoso) e a sua reabilitação, mais do que legal, é dever ético, humanitário e imprescindível ao prestador de assistência à saúde, seja público ou privado.
Como médico, que diariamente atende dezenas de pessoas desamparadas, sei o quanto é duro, desumano e constrangedor o confronto entre a realidade da desassistência e as benesses oferecidas em caríssimas propagandas. Presenciar a "empurroterapia" a que estão sujeitos os pacientes, ver que os benefícios e avanços que a ciência produz para a humanidade ficam muitas vezes à mercê de interesses lucrativos e/ou comerciais, exige de todos nós refletir sobre como poderemos enfrentar esses desrespeitos a direitos básicos de cidadania sem ficarmos sujeitos a interesses de grupos e artimanhas jurídicas.
A lógica de que é "preciso entrar mais dinheiro do que sai", numa visão empresarial, creio distorcida, da prestação de assistência em saúde, além de perversa, é um grande pecado dos que só pensam a saúde como fonte de lucro.
A assistência médica não pode ser confundida com "benemerência ou caridade". Deve ser vista como direito de cidadania, assegurado em sua integralidade, independente do grau de risco, pelo gestor público ou privado de saúde com responsabilidade legal de prestação de serviços. Seu descumprimento é antiético, desumano e ilegal.
A tese de que a cobertura a todas as doenças "estouraria qualquer plano de saúde" é injusta e questionável, porém reabre o debate, ainda que pelo lado restritivo do direito, sobre os custos em saúde: a quem cabe assegurá-lo?
É bem estabelecido em todo o mundo que o mais eficiente, e menos custoso, sistema de saúde é aquele baseado na prevenção das doenças. Contudo, uma vez instalada a doença, não é ético, muito menos humanitário, que a lógica da eficiência da assistência médica curativa seja baseada apenas na saúde financeira das empresas prestadoras.
Pelas leis do mercado, sabemos o quanto é cara em todo o mundo a assistência médica. As empresas de seguro-saúde, mais do que ninguém, sabem de seus custos. O que não dá é prestar assistência de fachada, incompleta e só nos procedimentos de menor custo, desamparando milhares de enfermos.
Planos e seguros-saúde não podem ser vistos ou concebidos apenas como empresas que visam o lucro. Por dever constitucional, são parte integrante do sistema de saúde, o qual assegura o atendimento integral. Encarar sua participação no sistema apenas pelo lado dos procedimentos ditos de "pequeno risco", a título de aliviar a rede pública, é uma maneira sutil, desumana e ilegal de fugir à responsabilidade.
A lei maior nesse caso não está na lógica do lucro fácil, e sim no respeito ao cidadão e seu direito à vida, à saúde e ao atendimento integral da sua doença.

Carlos Frederico Dantas Anjos, 41, médico, é presidente da Associação dos Médicos do Hospital Emílio Ribas, secretário-geral do Sindicato dos Médicos de SP e secretário-adjunto da Federação Nacional dos Médicos.

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