São Paulo, domingo, 11 de maio de 1997
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Para Passarinho, segurança virou baderna

ABNOR GONDIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ex-senador afirma que MST é revolucionário e diz que é contra indenizar famílias de desaparecidos

O ex-senador Jarbas Passarinho (PPB), 77, deixou a função de consultor do Programa Nacional de Direitos Humanos e está convencido de que o governo Fernando Henrique Cardoso vem cometendo equívocos nessa área, como a "extrema tolerância" dispensada aos sem-terra. "A coisa virou uma baderna."
"A segurança e a ordem não são direitos humanos, mas sim necessidades humanas", disse Passarinho, que foi nomeado há oito meses como consultor independente e deixou o cargo sem ter participado de nenhuma reunião.
O programa completa um ano nesta terça-feira. Para Passarinho, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) faz o que quer porque o governo permite.
"O ministro Raul Jungmann (Política Fundiária) recebeu quem o chamou de canalha (José Rainha Jr.) e ainda deu dinheiro", disse, referindo-se à liberação de R$ 4,7 milhões ao MST.
Passarinho condenou a proposta de transferir para a esfera federal a apreciação dos crimes de repercussão contra os direitos humanos. "Isso é um arranhão na Federação. Tira as autonomias dos Estados. Isso é perigoso porque daqui a pouco...Fujimori."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - O que o fez pedir para sair do Núcleo de Fiscalização do Programa Nacional de Direitos Humanos?
Jarbas Passarinho - O ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, que eu conheci na Constituinte de 88, convidou-se para um café em casa e fez-me o convite para participar do núcleo.
E eu disse a ele que tinha as minhas dúvidas porque poderia ser um estranho no ninho.
Folha - Por quê?
Passarinho - Eu receava muito que houvesse a mesma coisa daquela comissão (a Comissão Especial de Desaparecidos Políticos) que estuda indenizações, onde fica um general (Oswaldo Pereira) que foi deputado...e toda a esquerda do outro lado. Mas aí o Jobim disse que o presidente FHC gostaria que eu participasse.
Folha - O sr. não saiu porque ficaria numa posição delicada nesse núcleo de direitos humanos por ter sido um dos signatários do AI-5 (Ato Institucional 5) em 1968?
Passarinho - Não. Fui um dos signatários do AI-5 e fui um dos que votaram derrubando o AI-5. Eu defendo o AI-5 até hoje. Hoje me perguntam se eu assinaria o AI-5. Do contrário, eu era um inconsciente ontem e sou um hipócrita hoje. E fui o único que na hora da votação falou em ditadura.
A minha frase foi esta: "A mim me repugna, sr. presidente, enveredar pelo caminho da ditadura. Já que não tenho alternativas, às favas os escrúpulos de consciência". Eu me vi participando de um regime autoritário como uma defesa contra a guerrilha urbana.
Folha - A falta de reuniões do núcleo lhe incomodou?
Passarinho - Quando eu falei com o Jobim, ele me disse: "Pois é, o núcleo nunca se reuniu". O meu compromisso era com o Jobim.
Folha - O sr. é contra o pagamento de indenizações às famílias dos comandantes guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca?
Passarinho - A lei sobre as indenizações às famílias de desaparecidos políticos era de 95 e eu entrei no núcleo em 96. Mas, se o núcleo existisse naquela época, eu seria contra.
E a família dele já recebe há alguns anos a pensão de capitão do Exército, mais de R$ 2.000, mesmo que tenha sido desertor.
Folha - A lei que definiu os crimes de tortura, sancionada em abril, é um avanço na área de direitos humanos?
Passarinho - Eu concordaria com ela desde que também definisse o crime de terrorismo. Na Constituinte, a esquerda insistia em considerar só a tortura como crime hediondo e não afiançável.
Na ocasião, eu defendi um ponto de vista que continuo defendendo. O terrorismo e a tortura são duas ações igualmente hediondas. A legislação deveria contemplar os dois tipos de crimes, conforme está no texto legal.
Folha - O que o sr. acha da inclusão da lei que organizou as Forças Navais como medida adotada pelo programa de direitos humanos?
Passarinho - O que teria isso a ver com direitos humanos? Eu concordo com a criação de uma carteira de identidade única, mas também não diz respeito a direitos humanos.
Folha - Na área de direitos humanos, como o sr. analisa o tratamento que o governo vem dispensando aos sem-terra?
Passarinho - Para mim, o MST é hoje o partido revolucionário mais bem organizado que eu conheci. O partidão (apelido do PCB) era clandestino e talvez por isso mesmo não teve força. Este tem toda a capacitação de origem leninista-marxista.
Folha - Como o sr. identifica que eles têm essa ideologia?
Passarinho - A prática de leninista é a conquista do poder pela luta armada. Quem dá aula, como João Pedro Stédile, embaixo de fotos de Che Guevara, Lênin e Karl Mark e exalta Cuba, não quer a mudança de governo dentro do regime democrático.
E esse Stédile é de uma agressão verbal violentíssima até contra o presidente. Acho que o presidente está tentando absorver tudo isso para evitar a clandestinidade do MST. A propriedade privada, que está garantida na Constituição, não existe para o MST. A marcha dos sem-terra foi realizada como uma operação militar. E os chefes do MST vieram de jatinhos.
Folha - O sr. acha que o MST pode fazer ações terroristas?
Passarinho - Isso eu não acredito. Essas ações que eles estão fazendo é porque o governo está permitindo, inclusive os casos em que eles se escondem na clandestinidade para fugir de ordem de prisão. Eles dizem o que é produtivo e improdutivo.
Folha - O sr. acha que o governo está cometendo equívocos na sua política de direitos humanos?
Passarinho - Há um pensamento interessante que diz que a segurança e a ordem não são direitos humanos. Elas são necessidades humanas. E a coisa virou uma baderna e isso afeta toda a conduta brasileira.
Hoje as pessoas acham que só obtêm as coisas através do ato agressivo imediato. A greve não é negociada e discutida e entra diretamente em vigor. Aí os índios derrubam as torres de transmissão no Pará, interditam rodovias.
Folha - O sr. concorda com a transferência dos crimes praticados por militares para a Justiça comum porque a Justiça Militar é corporativista?
Passarinho - Por esse raciocínio, o advogado que tivesse cometido um crime deveria ser julgado por um militar e não por um civil. Se ela é sistematicamente corporativista, ela deve ser corrigida e nunca extinta.

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